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Coluna: Direito e Justiça (15/07)

qui, 15 de julho de 2021 08:16

 

A Água Milagrosa:

Referem os autores o caso gracioso de uma pobre mulher que se foi queixar, mui magoada, a um velho sacerdote dos desabrimentos do marido.

– Logo que entra em casa – narrou a infeliz – é uma tormenta desfeita de impropérios e de injúrias; renovam-se todos os dias estas cenas violentas, com grandes clamores que atordoam e escandalizam a vizinhança. Ando consumida, já me é insuportável a vida; dizei-me, padre, que deverei fazer em tão angustiosa situação?

O padre, depois de ouvi-la com toda a paciência, foi buscar um frasco de água e lhe entregou, dizendo:

– Esta água, colhi de uma fonte junto à Igreja de São Geraldo, é milagrosa. Todas as vezes que seu marido aparecer colérico, e começar a maltratar-te com palavras ásperas, toma um pouco desta água na boca, e aí a conservarás até que ele se tenha calado. Verás que a água de São Geraldo possui realmente uma virtude maravilhosa.

Fez a esposa exatamente como lhe ensinara o padre e observou que, quando tomava a água na boca, a ira do marido como que se amainava mais depressa. Suas cóleras foram-se tornando cada vez menos duradouras e menos frequentes, até que enfim cessaram de todo, e reinou a paz entre o pobre casal.

Voltou a mulher ao padre, toda jubilosa, a agradecer o portentoso efeito da água milagrosa de São Geraldo.

– Minha filha – disse-lhe, então, o sacerdote – a água que te dei só teve uma virtude, e não pequena. Foi a de fazer-te calar; enquanto a tinhas na boca, não podias proferir palavra. A esse silêncio, e só a ele, deves o benefício da paz e concórdia que desfrutas agora com teu marido.

Se, quando um se agasta, o outro se calasse, nunca haveria discussões.

Muitos casais seriam felizes e viveriam em perfeita harmonia, se o cônjuge sensato e prudente experimentasse sempre, nos momentos precisos, o efeito milagroso da água de São Geraldo.

 

Dom Macedo Costa

 

FONTE:         Malba Tahan.

Lendas do Céu e da Terra, Pág. 66/67.

 

Vou-me embora pra Pasárgada:

“Vou-me embora pra Pasárgada” é o título de um poema escrito por Manuel Bandeira, notável poeta brasileiro e publicado no livro “Libertinagem”, em 1930. Pasárgada pronuncia-se com o som de Z, visto estar o S entre vogais; “Pazárgada”, mas escrevendo-se Pasárgada, com S.

O poema possui características modernistas, ressaltando a ideia do poeta de uma fuga para um lugar melhor, como forma de escapar da sua realidade, reencontrando a sua adolescência. Ele foi escrito e construído com redondilhas, o que remete à ideia de um escapismo muito comum em poemas arcadistas e românticos, que buscavam sempre uma forma de aliviar a dor de amor não correspondido ou uma inspiração em lugares distantes e campestres.

O poeta consagrou o nome da cidade Pasárgada como um lugar ironicamente ideal, uma paisagem paradisíaca inexistente, um país de delícias inimagináveis. Literalmente, Pasárgada significa “campo dos persas”.

Mas, onde é Pasárgada: ela existe? Sim, Pasárgada existe; é uma antiga capital do Império Arquemênida e, hoje, em ruínas, está situada dentro da República Islâmica do Irã. Lá, não há chance de reproduzir “os banhos de mar” idealizados pelo poeta; o sítio arqueológico fica no meio de uma região árida, sem acesso ao oceano, próximo da cidade de Shiraz.

Transcrevo as seguintes palavras do próprio poeta Manuel Bandeira:

– “Vou-me embora para Pasárgada foi o poema de mais longa gestação em toda a minha vida. Vi pela primeira vez esse nome – Pasárgada -, quando tinha dezesseis anos e foi num autor grego (…), suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias, como o Lìnvitation au voyage de Baudelaire. (…) Gosto desse poema porque vejo nele, em escorço, toda a minha vida; e também porque parece que nele soube transmitir a tantas outras pessoas a visão e promessa da minha adolescência – essa Pasárgada onde podemos viver pelo sonho o que a vida madrasta não nos quis dar”.

 

Eu mesmo, atrevo-me, sob censura, a dizer o seguinte:

– “É claro que esse local de sonho, maravilhoso, é utópico e inatingível, pois não existe e nunca existirá na vida real. Todavia, se o ser humano foi dotado por Deus de imaginação, é porque lhe é dado, sendo mesmo imperativo, sonhar, fantasiar, almejar e pretender no amanhã algo que lhe seja melhor do que foi no ontem e do que é no hoje. Mas há que se ter limites claros e objetivos, para que a pessoa não se perca nos meandros das seus próprios devaneios e invencionices. Ser amigo do rei, ter a mulher na cama que escolher. Será possível mesmo? Quem sabe? Depois, a mim mesmo não interessa matar-me, nem ter alcaloides. Pode-se, com certeza, voltar em pensamentos ao passado, mas é sensato permanecer por lá? Vale à pena, por outro lado, antecipar o futuro? Creio que não. Não seria sensato atermo-nos a coisas autodestrutivas. Sendo assim, que essas possibilidades idílicas permaneçam e circunscrevam-se no âmbito das poesias e das imaginações dos poetas e ficcionistas de toda sorte. Para eles, sempre houve e sempre haverá um espaço definido, protegido, atemporal e incontestável”.

  1. S.:

Redondilha:

(Versificação – Substantivo feminino)

  1. Primitivamente, a estrofe de quatro versos, rimando o primeiro com o último e o segundo com o terceiro.
  2. Nome do verso de cinco ou de sete sílabas. Redondilha maior, verso de sete sílabas. Redondilha menor, verso de cinco sílabas.

Escorço:

(Artes plásticas – Substantivo masculino)

  1. Desenho ou pintura de qualquer objeto que o reproduz de maneira reduzida, em proporções menores.
  2. Figura representada dessa maneira.

                       

                   Vou-me embora pra Pasárgada:

                        Vou-me embora pra Pasárgada

                        Lá sou amigo do rei

                        Lá tenho a mulher que eu quero

                        Na cama que escolherei

                        Vou-me embora pra Pasárgada.

                                   

 

                        Vou-me embora para Pasárgada

                        Aqui não sou feliz

                        Lá a existência é uma aventura

                        De tal modo inconsequente

                        Que Joana, a louca de Espanha,

                        Rainha e falsa demente

                        Vem a ser contraparente

                        Da nora que nunca tive.

                                   

 

                        E como farei ginástica

                        Andarei de bicicleta

                        Montarei em burro brabo

                        Subirei no pau-de-sebo

                        Tomarei banhos de mar!

                        E quando estiver cansado

                        Deito na beira do rio

                        Mando chamar a mãe d`água

                        Pra me contar as histórias

                        Que no tempo de eu mesmo

                        Rosa vinha me contar

                        Vou-me embora pra Pasárgada.

 

                        Em Pasárgada tem tudo

                        É outra civilização

                        Tem um processo seguro

                        De impedir a concepção

                        Tem telefone automático

                        Tem alcaloide à vontade

                        Tem prostitutas bonitas

                        Para a gente namorar.

 

 

                        E quando eu estiver mais triste

                        Mais triste de não ter jeito

                        Quando de noite me der

                        Vontade de me matar

                        – lá sou amigo do rei –

                        Terei a mulher que eu quero

                        Na cama que escolherei

                        Vou-me embora para Pasárgada.

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