O vocabulário dos primórdios do futebol no Brasil
qui, 16 de outubro de 2014 00:05
Charles Miller era paulista, filho de um escocês com uma brasileira que era filha de ingleses. A família fazia parte das equipes que vieram da Inglaterra para o Brasil, construir estradas de ferro. Mas nada de marretas. Eram engenheiros e administradores. Charles foi enviado à Inglaterra para estudar. Quando voltou, já formado, trouxe material para montar um time de futebol. E assim o fez, com engenheiros, administradores, empresários e seus filhos. Era um esporte de elite, sem a presença de pretos ou pobres.
Esporte britânico, trazido por um anglo paulistano, o nosso futebol, que na época chamava-se football, ficou impregnado de regras e palavras em inglês. A começar pelos nomes dos times, que eram teams. Na velha Uberabinha nasceram equipes chamadas Sport Club Rodrigues da Cunha, União Team Uberabinha e o próprio Verdão chamava-se Uberabinha Sport Club.
O lugar onde se praticava o football chamava-se ground. Não existiam estádios apropriados. Eram de terra ou de areia, sem alambrados, sem muros, sem portão de entrada, sem redes nos gols. Os atletas uberabinhenses pioneiros digladiavam-se no ground Dr. Duarte, terreno onde hoje está a praça Tubal Vilela.
Naquele tempo, o juiz de futebol, ou o árbitro, era referee. O referee, antes de o jogo começar, fazia o toss, que era o sorteio, cara ou coroa, para a escolha do lado do campo. O place kick, ou início do jogo, era direito de quem perdeu o toss.
O jogo era uma sequência de shoots. O goleiro era goal keeper, os zagueiros eram baks, os laterais eram halfs, o centro médio era center half, o centro avante era center four e os pontas eram pontas mesmo. Escanteio era corner, falta era foul e gol era goal.
Era com esses termos que se davam as notícias futebolísticas antigamente, nos jornais e no rádio.
O Juca
José Ribeiro dos Santos foi um dos onze filhos do casal Messias e dona Terezinha. Começou a habitar entre nós a partir do ano de hum mil e novecentos, na aprazível cidade de Abadia dos Dourados. Em terras uberabinhas, fez sua esposa, dona Nídia, sobrinha do construtor de estradas Fernando Vilela. Uma de suas irmãs, dona Dilica, casou-se com Clarimundo Carneiro. Outra, dona Nicola, casou-se com o Raulino Cotta Pacheco. Dona Nicola e Raulino vieram a ser os pais de um garoto talentoso chamado Rondon Pacheco.
Na primeira diretoria do Uberabinha Sport Club, em 1922, José foi eleito diretor esportivo e acumulou o cargo de técnico do time. Ficou tão querido pelos torcedores que chamavam o estádio do time de “campo do clube do Juca”. Seu trabalho fez com que, em 1938, o presidente Antônio Luiz Bastos, batizasse o estádio como “Estádio Juca Ribeiro”. Na mesma época, o Uberabinha Sport Club virou Uberlândia Esporte Clube e, para comemorar os dois eventos, o Uberaba Sport Club foi convidado, veio e bateu no time da casa, sujando toda a festa.
Juca levava seu jovem sobrinho, Rondon, para ser orador do time. Naqueles tempos, antes do jogo, depois do jogo, a qualquer momento, se faziam discursos. Time que se prezasse tinha que ter orador de peso. E Rondon não decepcionava.
Sobre o estádio, no dia 1º de julho de 1923, Juca estreou o campo jogando contra o Americano, outro time uberabinho. Era o primeiro jogo do time criado pelo Agenor Bino em 1922. Terminou empatado, um a um. Aliás, nem terminou regularmente, porque virou um quebra-pau entre jogadores e torcidas.
Ao tempo do Juca aconteceram vários fatos interessantes. Jogaram contra o famoso Peñarol, do Uruguai, em 1929, perdendo de dois a zero. Neste jogo estreou o grande Catanduva, talvez o jogador que mais tempo atuou no Uberlândia, e com grande categoria. Contra o Morrinhos, em 1927, Henrique de Castro buscou reforços fabulosos em São Paulo. Ministrinho, que jogou no Milan, e Feitiço, que foi o maior artilheiro do campeonato paulista até chegar a era Pelé. Ele fez 39 gols em 1931. E outros menos conhecidos.
Depois desse jogo, houve uma grande debandada e Juca resolveu formar um time com a meninada da cidade. Pegou uns moleques que jogavam atrás da Santa Casa, que ficava na avenida Floriano Peixoto, formou um juvenil e quando estavam bem treinados enxertou-os no time principal. Os meninos aproveitados foram Ramiro, Turquinho e Catalão. Em 1930, o Uberabinha, que era freguês de caderneta do Uberaba Sport Club, deu-lhe três surras homéricas, consecutivas, a última por cinco a zero, que mereceram até referência na folhinha anual do armazém do Oscar Miranda. A partir daí, as forças se equilibraram.
Em 1935, Tito Teixeira concluiu as arquibancadas cobertas e convidou o Operário de Araguari para o jogo de inauguração. Jeovah Santos, prefeito de lá, veio comandando a torcida. O jogo não terminou pois torcedores dos dois lados arrancaram as ripas da cerca e se digladiaram a cacetadas. Ficou conhecido como “o jogo das ripas”. Além do futebol, que não lhe rendia nada, Juca possuía uma fábrica de gelo e uma criação de cavalos de raça. Desfilava na avenida Afonso Pena, de puro linho branco S-120, montado em um belo espécime. Almoçava com a família sempre com o rádio em cima da mesa para ouvir as notícias esportivas.
Figura simpática, foi amigo dos figurões da cidade que se reuniam na garagem de sua casa para bater papo e saber das novidades, pois o Juca sabia tudo o que acontecia.
Tinha uma charretinha incrementada com a qual passeava com a família. Juca deixou a convivência terrena em oito de novembro de 1987.
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Fotos raríssimas, parabéns pela postagem…um time sem memória é um time sem passado. O Uec, precisa montar seu memorial.
Trabalho fantástico, PARABÉNS. Sou do Rio Grande do Sul, Cidade de Erechim. Admirador do estado das Minas Gerais e do povo Mineiro. Grande Abraço.