Ficha Técnica – O sumiço de Seu Assis
qua, 20 de setembro de 2017 05:35A banca do Seu Assis hoje amanheceu vazia. Todos estranharam o sumiço do nobre torcedor, de olhar sisudo e ombros carrancudos. Disseram que reformou a casa, vendeu o carro, anda de bike e virou vegano. De fato, também se mexe em time que está ganhando. Mas sua presença naquela amanhã era natural feito o ipê da Clarimundo. Que diabos aprontou o senhor do jornal? Vai ver se esbaldou no Bar do Betão. Ele sempre cai nessa de “beber até morrer”. Outro dia, foi parar na Cachoeira das Irmãs, em Araguari – “Diz que fui por aí’ – avisou.
Seu Assis é torcedor do Corinthians, mas ninguém o rouba da memória os tempos de Uberlândia Esporte Clube, Fluminense e Araguari Atlético Clube. Anos dourados eram aqueles de 50 a 80 em terras triangulinas. Moacir, Zecão, Maurinho, Vivinho, Nenê Ramos, Geraldo Touro, Bim, Luxa, Pelézinho, Quinzito, Ferreira. Nas paredes da banca do saudoso torcedor, tem lugar para todo o mundo. Do Furacão Verde da Mogiana até a rivalidade tricolor do Galo da Comarca e a Raposa do Bosque.
Quem vê Seu Assis zanzando pelas beiradas dos estádios Airton Borges, Juca Ribeiro ou Sebastião César, sequer imagina as lembranças que o senhor dos jornais carrega em cada mão de tinta castigada pelo tempo. Do Parque do Sabiá, ele viveu para ter a sua libertação quando a praça deixou de carregar o nome de João Havelange, “precursor da picaretagem”, como ele classificava. Todavia, nem sempre o livramento o acompanhou.
Por muitos anos, Seu Assis foi perseguido pela retaguarda peculiar de não levar desaforo para casa. Raridade para a geração, era preciosidade em poucas palavras. Hoje, sequer liga para as mudanças do tempo, ainda que muitos se dirijam até a banca somente para recarregar o cartão. Seu calcanhar de Aquiles mesmo sempre foi a injustiça, o preconceito e a soberba. Talvez por isso, colecionou brigas com tios, tias e personas de mau grado. “Prefiro crescer com as lições do mundo do que andar calado à sombra de falácias”, disse certa feita.
Essa semana, o noticiário bateu à porta da banca. Em São Paulo, perdemos o jornalista Marcelo Rezende. Enquanto isso, o Corinthians, beneficiado meses atrás pelo fair-play (jogo justo), agora ganha com gol de mão. Em Paris, tem quem pareça superior a um clube. Em Brasília, maior que a Constituição. Na favela, chacina. Na Amazônia, pasto. No tribunal, preconceito. Um juiz fala de “cura gay” sem saber que envenenado está ele mesmo. Sem nenhum antídoto para tratar tamanhas indigestões num único jornal, Seu Assis reagiu, e abandonou o ponto por tempo indeterminado. Hoje, foi a notícia que perdeu a razão.
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