ADVOCACIA versus DIREITO. Na cultura do populesco.
“Lei não serve pra nada”.
“Advogado é tudo bandido e não sabe nada”.
“Não sei porque inventaram esse tal de direito”.
“Justiça não existe”.
São frases como estas que demonstram o “falatório do desconhecimento” do ser humano. Não existe nenhuma pessoa que contenha todo o conhecimento, que saiba todos os conceitos, que tenha a total razão. Não há nada de errado e nem mesmo pode ser considerado uma derrota, o “não saber”. Temos que estar abertos, o tempo todo, ao “conhecer”, “aprender”, “absorver”.
O que me incomoda é quando as pessoas começam a vociferar frases que demonstram desconhecimento e desvirtuam a verdade, ou o ponto de definição coletivo dado pelo ser humano.
Se aceitássemos, como verdade, frases como estas, podem ter certeza que estamos todos condenados, pois o tempo todo ouço frases como: “Médico é tudo açougueiro. Não sabe nada”, “Político é tudo ladrão”, “Juiz é tudo corrupto”, “Policial é tudo bandido”, “Professor não sabe nada”, “Aluno é tudo burro”, e por aí surfamos nas imensas ondas das relações humanas em sociedade. Se realmente acreditarmos, estamos depositando nossas vidas e nossos bens nas mãos de pessoas totalmente incapacitadas. Mas mesmo assim, continuamos nesta sociedade do “ninguém sabe nada”, do “ninguém é honesto”.
Acho fantástico quando ouço uma pessoa dizer: “Esse povinho brasileiro não vale nada…”, principalmente quando a pessoa que diz é brasileira e vive no Brasil. PODE????
Esta situação, considero eu, a “Cultura do populesco”, onde pessoas levantam a bandeira da discussão, da crítica, da manifestação, sem porque, por onde, quando, como e para que.
Achei incrível quando um advogado, conversando comigo, resolveu reclamar de uma de minhas profissões.
– Calvino! Eu sei que você é professor universitário, mas acho que vocês deveriam repensar e ser mais seletivos com os alunos. Quantos advogados vocês formam todo ano?
– Nenhum – respondi de imediato.
Ele começou a rir e disse: – Concordo.
Até hoje eu não sei se ele achou que estava fazendo uma piada irônica ou se ele percebeu que a pergunta dele demonstrava total desconhecimento.
Realmente não formamos nenhum advogado, pois não existem cursos de advocacia. Normalmente, quando ministro aulas nos primeiros períodos, sempre pergunto se eles sabem quantos cursos de advocacia existem no Brasil. A maioria fica calado. Os mais atiradinhos arriscam: 1.000, 2.000, 3.000…
De repente eu afirmo: nenhum.
Não existem cursos de advocacia. Existem cursos de Direito. Formamos Cientistas Jurídicos. Formamos bacharéis em direito, com base para, se quiseram, exercerem a profissão de Advogado, desde que façam e sejam aprovados numa prova da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Se formássemos advogados, eles não precisariam fazer a prova da OAB.
A advocacia é uma das possibilidades dentro da Ciência Jurídica. Uma ciência maravilhosamente fantástica, com um objetivo árduo, mas essencial para a manutenção de todas as relações humanas. Não podemos confundir advocacia com direito. O direito busca entender as necessidades humanas e busca criar regras para que seja mantido um equilíbrio justo. O grande problema é que estas regras são modificadas ao longo do tempo em razão das alterações das relações e dos valores humanos. As regras não são eternas e estáticas, mas dinâmicas numa razão direta com a cultura, com a moral, com a história, com os fatos naturais que moldam e modificam os homens e as sociedades a medida que o intelecto humano avança. Na velocidade que surgem as manifestações e alterações sociais, fica quase impossível acompanhar estas mudanças, ainda mais quando o processo legislativo se encontra falido com tanta incapacidade, com tanta burocracia e interesse partidário. O poder legislativo tem que ser repensado e reestruturado com verdadeiros cientistas jurídicos capacitados a entender a real necessidade humana e social, buscando regras que atendam estas necessidades, limitando, quando necessário as ações humanas desnecessárias e prejudiciais.
Uma pessoa que diz que a “Lei não serve p’rá nada” não está 100% errada, pois a servidão da lei depende da vontade e do conhecimento das pessoas. A lei por si só, não faz nada. A lei é um instrumento para ser usado por todos a medida que a sua previsão é desrespeitada de alguma forma, ou para quando as pessoas buscam conhecer o seu direito. As pessoas esperam que a lei faça algo, mas a lei nada fará a não ser esperar que alguém a utilize.
Como exemplo cito o instrumento: flauta.
Qual a função da flauta?
Ora! A flauta é um instrumento para se tocar músicas.
Sim! Correto.
Então deixemos a flauta em cima de uma mesa e esperemos que ela toque. Tirando as flautas mágicas, esta flauta (se for humanamente confeccionada) não emitira uma nota sequer. Se ficarmos olhando para a flauta, esperando, podem ter certeza que uma civilização futura encontrará nossos esqueletos junto a mesa com a flauta no centro.
A flauta não emitirá nenhum som sozinha. Os sons somente sairão se um ser humano pegar a flauta e com uma boa embocadura, soprá-la. E mesmo assim diversas possibilidades acontecerão. Em alguns casos, ficaremos maravilhados e em outros sairemos em disparada.
A flauta foi feita com a intenção inicial de imitar o canto dos pássaros e tornou-se um instrumento musical utilizado em vários estilos musicais. Mas, se uma pessoa resolver espancar outra pessoa com a flauta, pode até matá-la. Ou seja, assim como a utilização que uma pessoa define para a flauta, prejudicando outras pessoas, podem as leis prejudicarem e muito toda a sociedade.
O importante é ressaltar que não é a lei que está prejudicando, mas sim a má utilização feita pelo ser humano. A lei nos serve e muito.
O grande problema é: quem e como estão usando a lei?
Justamente aí que surge a figura do advogado, pois advogado é aquele que fala por alguém dentro das esfera jurídica. É a pessoa que irá tentar garantir, com base na lei (ou não interpretação subjetiva da lei), os direitos e a não lesão dos direitos das pessoas. Tentará garantir que as sanções sejam justas, quando forem cabíveis. E este momento é muito delicado, pois é justamente aqui que entra a figura do ser humano manuseando o instrumento lei. A má utilização não pode ser motivo para o desmerecimento da lei, pois ela por si só, nada faz.
E o direito? O cientista jurídico?
O cientista jurídico é aquele que estuda a sociedade, os valores, as culturas, as diversas relações humanas, o meio ambiente, sendo que dentro de todas estas possibilidades, busca edificar uma regra possivelmente aceita e eficaz. Busca garantir uma sociedade justa dentro das ações e vontades individuais. A justiça jamais será igual para todos, pois tem que ser pesado, também, a forma e a vontade de cada ser humano na construção desta sociedade almejada. Ou seja, o Direito forma uma pessoa capaz de ter um olhar passado, presente e futuro na edificação de uma esperança de vida para todos, dentro de um limite espacial. O descumprimento destas regras deve, de alguma forma, ser analisado, pensado e aplicada uma sanção para que as pessoas supram o prejuízo causado a outras pessoas ou à sociedade. Neste momento surge a figura, novamente do advogado, que também deve ter o conhecimento do cientista, mas atuando em outra esfera. Enquanto aquele tenta edificar o equilíbrio através de doutrinas que sirvam de base para uma legislação mais consistente, este (o advogado), junto a todo o sistema jurídico, tenta recompor o litígio gerado entre interesses diversos frente a legislação e a toda a ordem pública.
Direito e advocacia, são distintos, mesmo que com a mesma origem, e arrisco a dizer: “mesmo que a advocacia seja filha do direito”. Não se confundem e é justamente por isso que não devemos simplificar o direito, desmerecendo-o, em função de uma ou outra ação de um ou outro “profissional da advocacia”. Talvez o que falte é que, certos advogados, apreciem com maior gosto a verdadeira ciência do direito, buscando o objetivo primordial, qual seja, a busca da justiça e não “vencer a causa do meu cliente a qualquer custo”.
Engraçado, pois se realmente eu fosse selecionar os alunos capazes de formarem em Direito (Cientista Jurídico) aquele advogado que me abordou com seu comentário seria o primeiro a ser excluído, pois não conseguiu, nem mesmo depois de formado, absorver a diferença entre Advocacia e Direito.
Nele, vê-se claramente a Cultura do Populesco.
Calvino.
Professor universitário, cientista jurídico, advogado, músico, microempresário e produtor cultural.
Adenilson Alves Pereira
Gostei muito da maneira como fez as suas colocações, parabéns.