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Ficha Técnica – Círculo vicioso nacional

qui, 25 de janeiro de 2018 05:19

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Enfim, a amarelinha desbotada saiu do armário. Outra vez, lá vai ela ser envergada para expressar o amor, a paixão e o nacionalismo, no melhor espírito ame-o ou deixe-o de tempos nefastos. As ruas são tomadas de verde-amarelo, carros desfilam com bandeiras nacionais, e a democracia é lançada sob o martelo de um juiz. Pátria amada de chuteiras! O melhor lugar do mundo é aqui e agora, desde que compartilhemos da mesma opinião. Ordem, progresso e punição! – Como se a extinção de um político ditasse o futuro de uma nação.

Em 1989, Fernando Collor de Mello pediu um basta à desordem, à bagunça, à baderna e à bandeira vermelha. “Vamos dar um sim à bandeira do Brasil, verde, amarela, azul e branca”, disse em alto e bom tom, como se quem não se entregasse ao discurso, não fizesse parte do jogo. Esta aquarela polarizada perdura até hoje, acompanhada de estigmas, rótulos e preconceitos. Numa fração de segundos, almoços de famílias e mesas de boteco se tornam cenários de debates políticos e anônimos se tornam exímios cientistas e pensadores de plantão. Em muitos casos, o incômodo faz-se necessário. O rapaz que pede intervenção militar hoje é o mesmo que pode ter o filho torturado amanhã.

Copa fora de época *Divulgação

Copa fora de época
*Divulgação

 

É ano de Copa do Mundo e mais uma vez o futebol e a política se aplicam sob o imaginário coletivo do povo brasileiro. Não há mala de dinheiro que promova tamanha mobilização. O medo de mais um 7 a 1 em ambos os cenários paira sobre os piores pesadelos de alguns, enquanto outros eximem da responsabilidade casual. Se por um lado seguimos carentes de qualidade no trato com a bola, de outro nos perdemos ao apontar um candidato ideal. A diferença é que, ao contrário do nosso camisa 10, escolher nossos representantes continua sendo direito de todos.

Votar é um exercício de cidadania, já dizia Silvinha, antiga professora das aulas de Vivência de Valores nas quintas-feiras de manhã na escola. Talvez se assim o fizéssemos no esporte, pudéssemos interromper uma das maiores oligarquias de todos os tempos, formada por Havelange, Teixeira, Marín e Del Nero. O seleto grupo que ensinou como poucos a se apropriar do mais popular dos esportes, e que hoje nos permite categoricamente rimar futebol com Interpol.

Dizia José Saramago – “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Do Ensaio sobre a Cegueira para a realidade que nos cerca. Apesar de todas as ironias, protestar contra a corrupção com a camisa da CBF não é das piores hipocrisias. Em muitas casas, a amarelinha desbotada é o que resta no armário para exibir a defesa da nação. A questão é a sua apropriação como uniforme para dividir dos demais, como se ninguém mais fosse bem-vindo em seu próprio quintal. Principalmente no único esporte capaz de, no dia 15 de julho de 2018, unir todos por um grito de campeão. Depois, voltamos a digladiar. É tempo de propaganda eleitoral. Segue o famigerado círculo vicioso nacional.

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