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Direito e Justiça

qui, 18 de julho de 2019 05:47

Abertura-direito-e-justica

                   Os Condomínios Fechados em Araguari.

  • Parecer jurídico exarado no ano de 2005.
  • Câmara Municipal de Araguari – MG.
  • Assessoria Especial da Presidência.
  • Condensação da matéria.

 

 

                        Os Fatos:

 

É de conhecimento público e notório, com divulgação na imprensa falada escrita e televisiva de todo o País, e, por óbvio, na de Araguari (jornais e emissoras de rádio da cidade) os problemas que atingem, afetam e comprometem a segurança pública, atingindo frontal e diretamente as pessoas. Na medida das suas possibilidades econômico-financeiras, os grupos ou segmentos sociais e as pessoas individualmente buscam, por sua própria iniciativa, cercar-se de tanta segurança quanto lhes seja possível.

 

                        Reforçam e elevam os muros das suas propriedades, instalam cercas ou telas eletrificadas, portões eletrônicos, portarias e guaritas, interfones, câmeras de alta definição e até de visão noturna, sem se falar nos cães de guarda, nos carros blindados, nos guardas de segurança e nas armas de uso pessoal.Porém, nem sempre toda essa parafernália tem sido suficiente para afastar os meliantes e evitar assaltos, estupros, extorsões, homicídios, latrocínios e seqüestros, parecendo que os bandidos estão a levar uma boa vantagem sobre os organismos policiais e de proteção, mantidos pelo Estado e também sobre todo esse confuso sistema de segurança privada.

 

Quem se vê atacado, por si ou por seus familiares, em casos extremos de medo e de repulsa, decorrentes dessa situação de descontrole, muda-se da casa ou do apartamento, do bairro, da cidade do estado e até do país, atitude adotada especialmente por empresários, artistas, atletas, e outros “famosos”, com amplo espaço e repercussão na mídia.

 

Esses “felizardos” são uma ínfima minoria de privilegiados em um Brasil de vergonhosa e ainda insuperável disparidade econômico-social, que mantém excluída uma imensa parcela da sua população, levando alguns, inclusive, ao crime, em face da falta de perspectivas em seus próprios meios, muito embora, e diga-se isto, não se esteja pretendendo justificar nada. Mas, e os que têm de ficar e de enfrentar esse clima brutal de atentado permanente à tranqüilidade dos cidadãos e das cidadãs de bem, e os que se vêem obrigados a recolher-se em suas moradias, como se fossem autênticos prisioneiros, pois é para essa situação que se está a caminhar rapidamente?

  • Surgem e pululam os condomínios fechados.

 

  • Transformam-se pontos das cidades em áreas privativas.

 

  • Interditam-se ruas e mesmo as praças;

 

  •  Obstaculizam-se e atravancam-se as calçadas;

 

  • Impedem-se a passagem de pedestres e o trânsito de veículos;

 

  • Passam-se por cima das leis e das posturas municipais.
  • Criam-se privilégios nas praias e nos sítios de lazer;

 

  • Disseminam-se e banalizam-se as discriminações;

 

  • Institucionalizam-se o isolamento e o sectarismo;

 

  • Geram-se falsas expectativas de segurança e de privacidade.

 

 

              Considerações:

 

 

Malgrado quaisquer outras alentadas, respeitáveis e até compreensíveis considerações de ordem social, política administrativa, utilitária, econômica, ou quaisquer outras que já surgiram ou que ainda surjam, o embasamento técnico-legal deste parecer jurídico teria que ser — como de fato é  —  alicerçado ou caldo nas regras próprias e pertinentes do Direito Público especialmente as contidas do Direito Constitucional e no Direito Administrativo.

 

E, porventura, se já tiverem sido feitas oficiosamente tais considerações, no âmbito de reuniões e de discussões anteriores e internas, buscando-se até mesmo uma solução de consenso, devo consignar que o meu próprio entendimento pessoal, na qualidade de Consultor Jurídico desta Douta e Centenária Câmara Municipal de Vereadores, atinente a esta questão dos CONDOMÍNIOS FECHADOS, não pode centralizar-se ou lastrear-se apenas ou principalmente nos interesses pessoais de um pequeno grupo ou segmento social ou mesmo nos de algumas pessoas mais abastadas do que o restante da nossa população.

 

Há que se distinguir 2 (duas) situações de fato e de direito:

 

1ª) –     a dos condomínios fechados desde a sua origem ou instituição;

 

2ª) –     a dos condomínios fechados por transformação.

 

Declaro francamente que o meu entendimento jurídico sempre foi e permanece sendo o mesmo, independendo de qualquer conotação afetiva ou de simpatia, pessoal ou política, atendendo-se única e exclusivamente aos preceitos cogentes inseridos nas regras do Direito Constitucional e do Direito Administrativo, conforme explicita a doutrina que houve por bem transcrever.

Esse meu entendimento pode ser sintetizado da seguinte forma:

 

1º.      Quanto aos condomínios fechados desde a sua origem ou instituição:

 

a) –       a sua instituição é perfeitamente legal e possível, sob condições ou cláusulas administrativas, protetivas e restritivas em prol do interesse coletivo ou público;

 

b) –      todos os seus custos e ônus, inclusive com a manutenção permanente e a eventual ampliação, deverão ser suportados pelos instituidores ou beneficiários, presentes ou futuros;

 

c) –       nenhum bem de uso comum do povo poderá ser apropriado ou desafetado em favor do condomínio, total ou parcialmente;

 

d) –      a expansão do setor urbano não poderá sofrer qualquer solução de continuidade, não se podendo impedir a abertura ou a continuação de vias públicas, e nem interferir, de qualquer modo, na estrutura e na execução do Plano Diretor, se houver;

 

e) –       não podem ser agravadas as condições de locomoção ou de transporte da população, em tempo, distância ou comodidade.

 

2º.     Quanto aos condomínios fechados por transformação:

 

a) –       a sua instituição também é perfeitamente legal e possível, sob condições ou cláusulas administrativas, expressas e precisas, protetivas e restritivas em prol do interesse coletivo ou público;

 

b) –      todos os seus custos e ônus, inclusive com a manutenção permanente e a eventual ampliação, deverão ser suportados pelos instituidores ou beneficiários, presentes ou futuros;

 

c) –       nenhum bem de uso comum do povo poderá ser apropriado ou desafetado em favor do condomínio, total ou parcialmente;

 

d) –      a expansão do setor urbano não poderá sofrer qualquer solução de continuidade, não se podendo impedir a abertura ou a continuação de vias públicas, e nem interferir, de qualquer modo, na estrutura e na execução do Plano Diretor, se houver;

 

e) –       não podem ser agravadas as condições de locomoção ou de transporte da população, em tempo, distância ou comodidade.

 

f) –       a simples previsão ou o planejamento da abertura, alteração ou ampliação de vias públicas no local que se pretende transformar em condomínio fechado, inviabiliza, impede e torna ilegal a sua consumação, caso se verifiquem as condições previstas nos ítens d e e;

 

                        g) –       não poderá acarretar prejuízo para terceiros, residam, ou não, nas proximidades da área que se pretende transformar em condomínio fechado;

 

h) –      deverá haver a devida compensação das áreas públicas ou institucionais (no caso dos loteamentos) suprimidas, reduzidas ou alteradas.

 

 

Conclusão:

 

 

A criação de CONDOMÍNIOS FECHADOS POR TRANSFORMAÇÃO, situados legalmente dentro do perímetro urbano de Araguari, nos moldes do que se tem pretendido fazer —  até agora  –,  é INCONSTITUCIONAL e é também ILEGAL. constituindo-se, no mínimo, em ofensa e afronta gritantes ao direito constitucional de ir e de vir, bem  ao princípio da legalidade estrita e à finalidade vinculada ao bem público, coletivo ou comum, constituindo-se essas pretensões, na verdade, em meros atos discriminatórios, intoleráveis, insustentáveis e odiosos, além de causar outros graves e permanentes prejuízos ao Município e aos seus habitantes.

 

Pretendem alguns empresários ou grupelhos de pessoas  —  que sequer chegam a representar um segmento ou parcela representativa da comunidade araguarina  –, pressionando esta Douta e  Centenária Câmara Municipal , apropriar-se de uma forma sutil e consentida de bens públicos de uso comum do povo, abertos, planejados ou já inseridos nos planos de expansão da Cidade, levando em consideração tão somente os seus medos, receios e interesses pessoais, tanto de segurança quanto  — e digo isto com todas as letras — de extrema valorização dos seus próprios imóveis, loteados ou não, advinda este enriquecimento ilícito do puro e simples fechamento e isolamento de ruas, praças e áreas institucionais.

 

O desejo — até mesmo compreensível, mas jamais justificável em face da nossa vigente Legislação —  de alguns empresários, cidadãos ou moradores, de obterem para si e para os seus familiares uma maior segurança pessoal, isolando-se do restante do organismo social urbano, não os autoriza, e muito menos com o beneplácito, direto ou indireto, do Poder Público, à prática de atos discriminatórios sociais e econômicos, os quais são, por si só e como assinalei, inteiramente odiosos,  intoleráveis e insustentáveis, vindo acrescentar-se já enorme contexto de disparidade econômico-social em que vivemos neste País.

 

Abstenho-me de especificar quais os casos concretos e específicos de condomínios fechados por transformação, já autorizados, criados ou pretendidos, inserem-se nesta minha linha de raciocínio, encontrando-se eivados inconstitucionalidade e de ilegalidade, pois as ocorrências já se tornaram públicas e notórias.

 

Consultoria Jurídica desta Câmara de Vereadores já exarou manifestação e orientação verbal anteriormente a respeito do mesmo assunto, que somente constitui uma reiteração, devidamente formalizada,  para que sirva de alerta aos Nobres Edis acerca dos riscos e das consequências que poderão advir da aprovação de leis que autorizam tais condomínios, atingindo e ferindo profundamente o bem e o interesse público, coletivo ou comum.

Encontra-se nesta Casa de Leis judicioso parecer, externando a posição clara e lúcida do Instituto Brasileiro de Apoio aos Municípios – IBAM, com sede na Cidade do Rio de Janeiro,  que também foi contrário à criação de condomínios fechados por transformação, sendo de muito bom alvitre lembrar-se que o IBAM é um órgão exclusivamente técnico-jurídico, isento e inteiramente estranho às nossas disputas ou questiúnculas locais.

 

 

Desta maneira, tais condomínios serão sempre ilegais.

 

 

Ademais, destaco outros aspectos pertinentes:

 

 

1 – A criação de um precedente:

 

A permissão legal ao que se vem pleiteando, objetivando a criação de condomínios fechados por transformação com o uso, a transformação, a diminuição, a apropriação ou a alteração de bens de uso comum do povo, especialmente de vias públicas e de áreas institucionais,  abrirá um  precedente insuscetível de vir a ser (facilmente) estancado posteriormente, pois inúmeros bairros, ou mesmo logradouros da Cidade de Araguari, haverão de pretender gozar, e com razão, dos mesmos privilégios de terem para si áreas fechadas, isoladas ou exclusivas, sob o pretexto de uma maior segurança.

 

2 – A legalização de uma discriminação:

 

A melhoria da segurança pública  —  e isto é mais do que óbvio —  não se faz e nem se fará por aí, privilegiando alguns em detrimento de milhares, que também anseiam e fazem jus a uma mesma garantia, fazendo tão somente com que surjam mais corpos estranhos na Cidade, e, na prática, liberando-se o Estado, considerado como um todo, dos seus deveres e responsabilidades para com a integridade dos cidadãos e cidadãs, por meio dessa solução fácil e rápida, mas inteiramente ilusória.

 

            3 – O dever do Município de Araguari:

 

                   O Município de Araguari não tem o direito de criar  — e muito menos o de tolerar  —  obstáculos ao eventual e futuro crescimento da Cidade nos setores em que se dariam o fechamento de áreas, subvertendo-se, inclusive, o recém-aprovado Plano Diretor Urbano – PDU.

 

4 – O recurso de terceiros e do MP às vias judiciais:

 

                   Terceiros prejudicados, bem como o Representante do Ministério Público Titular da Curadoria de Defesa do Patrimônio Público, poderão intentar medidas judiciais adequadas, para impedir ou fazer com que cessem as irregularidades, repondo as coisas ao seu devido e anterior estado, exigindo compensações, indenizações, demolições e desfazimento de obras, em desfavor dos seus responsáveis, diretos ou indiretos, sejam eles agentes municipais de autoridade ou particulares, instituidores ou beneficiários dos condomínios fechados por transformação, sem se falar das repercussões nas esferas de improbidade administrativa e criminais comuns.

 

5 – A valorização e a especulação imobiliária:

 

                   a valorização extraordinária e imediata dos imóveis, fechados e isolados, será inevitável e consequente, constituindo-se, no frigir dos ovos e não havendo como se negar este aspecto, em uma escancarada e escandalosa especulação imobiliária e , por consequência,  em um inaceitável enriquecimento ilícito de alguns, cabendo a devida, pronta e suficiente indenização aos cofres públicos, inclusive com as necessárias e imparciais reavaliações para todos os fins legais.

 

6 – A impossibilidade jurídica e as suas consequências:

 

                   A desafetação de bens públicos de uso comum do povo, ainda que seja o caso de ruas ainda não abertas ou não transitáveis, mas já previstas em planta ou plano de expansão da Cidade, caracteriza-se como ato de ilegalidade e de imoralidade administrativas, desvinculado de uma finalidade pública, e, por isso, mesmo, importa em desvio e abuso de poder, em suma, em improbidade administrativa.

 

7 – A insuficiência das salvaguardas administrativas:

 

                   Nem nesmo as pensadas e possíveis salvaguardas ao Município de Araguari  suprem, superam ou fazem cessar os vícios anteriormente apontados, podendo transformar-se em situações definitivas, geradoras permanentes de conflitos sociais e econômicos, prejudicando ou mesmo inviabilizando de forma irremediável ou irreversível o crescimento harmônico da Cidade e o seu crescimento como um todo.

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