Política Vol. II

Em defesa da Democracia e da Constituição da República

 

No último texto fiz algumas considerações superficiais a respeito da política. Tecendo ao meu ver como seria a atuação ideal de cada poder constituído. Neste esperei passar as manifestações de sete de setembro para escrever o segundo volume e assim poder falar com mais clareza alguns pontos cruciais.

Caro leitor, é imprescindível a compreensão de alguns fundamentos básicos da República, e também ao que diz respeito a alguns princípios constitucionais.

Sou um estudioso da Constituição, minha OAB foi obtida na matéria direito constitucional, termino agora ao fim do ano uma pós-graduação nessa área no instituto de direito público de Brasília, fiz um ano e meio de doutorado na Universidade Federal de Buenos Aires, portanto não digo isso para me gabar ou autopromover, apenas para demonstrar meus estudos com atenção à temática abordada a seguir.

É imperioso compreender que não existe direito fundamental absoluto. Quando parcela da população ou o próprio Chefe de Estado diz que deseja um direito irrestrito e absoluto sobre a liberdade de opinião e manifestação, incorre em severo erro teórico e basilar. Ora, é simples fazer uma demonstração como é desproporcional.

Na doutrina constitucional existe um exemplo repetido exaustivamente, com certa liberdade poética, o adapto para essa coluna. Imagine estar dentro de um cinema lotado, e do nada, um manifestante vestido de verde amarelo, com a camisa da CBF grita em alto e bom som e mente ao afirmar que aquele cinema estaria pegando fogo. Em desespero, centenas de pessoas saem correndo, se atropelando, se esmagando e se decorrem mortes por pisoteamentos. O manifestante exerceu seu direito de opinião e livre manifestação, nesta ótica ele não deveria ser culpado por nada, pois seu direito de manifestação seria absoluto e irrestrito, mas do ponto de vista da justiça social seria ético e probo? Obviamente não.

Nem mesmo o direto à vida é absoluto. Mesmo sendo o mais importante e protegido pelo nosso ordenamento. Quando algum ladrão invade uma casa e para repelir à invasão um proprietário utiliza meios proporcionais e moderados, e por um golpe do destino ocorrer a morte do ladrão, aquele poderá alegar legítima defesa e proteção de sua propriedade, devendo assim o juiz fazer um juízo de proporcionalidade para ponderar sobre este fato.

Destarte, o grande equívoco dos manifestantes do dia sete de setembro é quererem implodir o que temos de mais valioso, nossa maior conquista dos últimos 32 anos: o retorno à democracia, às liberdades individuais e principalmente a Constituição da República.

Ulisses Guimarães afirmava que a Carta Magna pode ser sujeita a críticas e reformas, isso não é problema, mas não é aceitável é querer rasgá-la, pois isso faz da pessoa um antipatriota, como bem diz: “quem trai a Constituição é traidor da pátria”.

Nesse diapasão, não se pode tolerar o uso do direito fundamental da liberdade de expressão e opinião para instigar violência, fake news, ameaças a corte e seus ministros ou qualquer pessoa, é antijurídico. Em uma democracia madura deve ser fortemente combatido.

Outra mentira exaustivamente dita nas manifestações foi que o Ministro Alexandre de Moraes agiu de ofício e mandou prender apoiadores do Presidente, como o Roberto Jefferson, Zé Trovão, inquérito contra o Sérgio Reis, entre outros.

Todas essas prisões e medidas foram pedidas pelo Ministério Público Federal ou Polícia Federal, não havendo assim qualquer ilegalidade.

Como já escrevi várias vezes nessa coluna, o Brasil precisa sair dessa polarização odienta. Não podemos permitir que o ódio destrua famílias, e a guerra civil se torne uma realidade. Caro leitor, quando teço críticas ao governo, minha crítica não é a você pessoalmente. Entenda, não estamos em um jogo de futebol, não somos adversários. O respeito às diferenças de opiniões e ao pluralismo político é fundamento estrutural de qualquer sociedade que busca o desenvolvimento como liberdade.

Pouco me importa se você é de esquerda, centro ou direita. Todos esses espectros são válidos para à consolidação da democracia. O que não podemos tolerar são reacionários, antidemocratas, falsos messiânicos ou “patriotas” que batem continência para a bandeira norte-americana.

Não seja tolo nem marionete de ninguém, se você não estiver ganhando rios de dinheiro como alguns setores empresariais que adoram o dólar na altura, por ganharem com a instabilidade, e aproveitarem para passar a boiada, não faz sentido lutar ou dar sua vida por isso.

Perceba que o aviltamento das instituições só gera crise. O capital internacional está em alerta com o país, no momento em que escrevo esse texto, o dólar e a bolsa sofreram fortes reveses em razão das falas golpistas da Presidência. Nossa ciência, combalida e sem investimento está morrendo. Nunca houve tanta fuga de cérebros e capitais. A economia está de mal a pior. Vamos protestar a favor do quê? Do preço do gás? Da crise hídrica sem precedentes que nos assola? Da destruição da Amazônia? Das 580 mil mortes? Conforme estudo feito pela Universidade John Hopkins, se tivéssemos governo de cada 5 mortes, dessas, 4 poderiam ter sido evitadas, tudo isso terá um preço inestimável para as futuras gerações.

Se tem uma coisa que considero idiota é: pessoas brigarem por causa de político, devemos sim discutir a política e o futuro da nação, jamais defender pessoas ou líderes personalistas. No final eles que devem servir o povo e a República, e não nós a eles. Eles são extremamente bem remunerados pela função que exercem, tanto no âmbito Legislativo quanto no Executivo. Devemos trabalhar em cima de projetos para o futuro, essa cultura sebastianista lusitana, de que haverá um líder que nos salvará de todas as mazelas, até hoje se mostrou uma furada e um grande atraso. A pessoas passam, porém, as instituições ficam.

Para encerrar, gostaria de dizer que quando eu era adolescente, assisti um filme do Chaplin, o primeiro que ele utiliza a voz, “O grande ditador”, na última cena, Carlitos era confundido com o Hitler, e por um golpe de sorte ele é colocado no palco para discursar. Até hoje, para mim, foi uns dos discursos mais belos e bem escritos que um verdadeiro gênio poderia ter feito. Transcrevo um trecho aqui, por infelizmente após tantos anos se mostrar tão atual:

 

“O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.”

…

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém, escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!”

– Charlie Chaplin, em ‘trecho do discurso proferido’ no final do filme “O grande ditador”.