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Coluna: Furando a bolha (12/05)

qua, 12 de maio de 2021 11:20

por Leandro Alves de Melo

A mentira é um fenômeno que ocorre desde quando o ser humano aprendeu a falar. De acordo com estudiosos sobre o assunto, a linguagem foi desenvolvida há mais ou menos meio milhão de anos. Sendo assim, nossos ancestrais a utilizavam, dentre outras funções, para disseminar alguma informação falsa que lhes privilegiasse em detrimento de outro grupo rival, por exemplo, na busca de alimentos.

Ocorre que, ao longo da história, a mentira, apesar de ser da própria natureza do homem, com o advento das tecnologias de massa começou a ser utilizada de forma industrializada e com propósitos escusos. A primeira fake news que temos conhecimento com a intenção deliberada de obter vantagem foi emitida pelo jornal The New York Sun (não o Times), no ano de 1835, em que afirmava que haviam descoberto vida na lua. Essa notícia logo se espalhou e aumentou (e muito) o número de assinaturas vendidas do jornal. Dessa forma, viram nisso uma oportunidade de aumentar suas divisas e influência naquela sociedade.

Sendo assim, temos na história jornalística brasileira inúmeros casos icônicos sobre o uso de notícias mentirosas para obter vantagens. No SBT, em 1998, o apresentador Augusto Liberato (Gugu) utilizou a emissora para forjar uma entrevista montada com membros fictícios do PCC, um grande escândalo naquela época. Em 1995, vários jornais e grandes emissoras divulgaram uma mentira que destruiu a reputação de uma escola base, afirmando que a direção e seus prepostos abusavam sexualmente das crianças que tutelavam. Esse factoide produziu reflexos por anos na vida daquelas pessoas falsamente acusadas. Logo após fora descoberto que se tratava de uma notícia falsa, que gerou graves repercussões judiciais para as empresas envolvidas.

Em todos esses casos, apesar de lamentáveis, a nossa legislação protege o cidadão ou mesmo a coletividade contra essas informações, podendo a empresa de comunicação ser multada e até mesmo ter sua concessão suspensa pelo Poder Público, e outras consequências já ditas, conforme a Lei 5.250/67, artigos 49 a 57.

Destarte, nos anos vindouros com o advento das mídias sociais e do fortalecimento da comunicação móvel, o mundo se tornou maximizado. Em questão de segundos, uma informação é viralizada. Em caso de alguma calúnia, até a retratação da vítima ou checagem dos dados, milhões de pessoas já tiveram acesso a esse conteúdo, que poderá causar danos irreparáveis aos envolvidos.

Imagine ser vítima de uma fofoca inverídica no seu grupo de amigos. É uma situação que ninguém gostaria; contudo, com muito jogo de cintura, é possível, caso for uma invencionice, reverter a situação. Agora: e se essa informação for espalhada no mundo da internet? É praticamente impossível, em um espaço de tempo razoável, reduzir os danos causados.

É importante frisar que o problema não é a rede em si, o que ocorre é que ela consegue exponenciar tanto as coisas boas quanto as ruins da natureza humana. Em um mundo extremamente competitivo e com milhares de interesses em jogo, as fakes news passaram a ser uma arma poderosíssima, utilizada por grupos para manipular, ludibriar, enganar e entorpecer suas vítimas.

Caro leitor, pense quantas vezes possivelmente você espalhou, consumiu ou mesmo acreditou em uma mentira que chegou via web. É compreensível que na dinâmica da vida contemporânea checar tudo que é recebido seja praticamente impossível. Porém, há certas informações que são cruciais e que não podem passar batidas. Sempre que receber algo, preste atenção e se pergunte qual a intenção do emissor em compartilhar essa mensagem. Muitas vezes o propósito é apenas o de gerar o caos, mentir por mentir, como no exemplo da mulher que foi assassinada, no estado de São Paulo, por causa de um boato compartilhado em uma rede social de que sequestrava crianças para realizar magia negra. Nesse caso, a pessoa que compartilhou essa informação e incendiou as outras também tem o sangue nas mãos da Sra. Fabiane Maria de Jesus. Talvez seja até possível chegar na origem de quem criou essa notícia, mas como responsabilizar todos que compartilharam e atuaram diretamente para o assassinato ainda é muito difícil.

Outras fakes news começaram a ser utilizadas com fins políticos, financeiros e sociais, para manutenção de ideias que não respeitam a ciência e que violam o princípio constitucional e fundamento da República: a dignidade da pessoa humana.

A despeito de toda tecnologia e informação que temos, caso você não saiba, existem pessoas que acreditam na teoria da terra plana, que vacinas modificam o DNA e implantam chips para o controle do país producente, que o aquecimento global não existe. Ademais, na gestão do ex-presidente Donald Trump, há consenso que ele foi o maior disseminador de mentiras relacionadas à Covid-19 no mundo, conforme estudo da Universidade Ithaca, do Estado de Nova Iorque. O homem do país mais poderoso do mundo, e com o maior PIB, no início de 2020, disse a seus compatriotas para tomarem desinfetante, pois “parecia ser um remédio fantástico contra o coronavírus”. Muitos acreditaram nessa informação e assim o fizeram, de modo que vários foram parar nos hospitais, intoxicados, e houve até alguns casos de mortes acidentais por uso indevido de substâncias não apropriadas para consumo humano, como o exemplo mencionado.

Portanto, este tema é de extrema importância e deve ser sempre analisado com muita cautela. A nossa sociedade ainda está aprendendo a lidar com os efeitos nefastos deste fenômeno. Se receber alguma informação, questione, pense duas ou três vezes antes de compartilhá-la e também de acreditar naquilo que está lendo. Fazendo isso, estará evitando entrar em uma ‘bolha mentirosa’. Lembre-se de que todos nós temos responsabilidades por aquilo que comunicamos, e que cada dia mais o Direito e as instituições estão olhando com muita seriedade para estes acontecimentos.

 

Nota do colunista: Na próxima semana encerrarei esse assunto, explicando por que as redes sociais são as maiores disseminadoras de fake news, e o motivo de o modelo de negócio dessas companhias estar gerando uma legião de alienados e propagadores de teorias da conspiração. Até a próxima quarta!

6 Comentários

  1. darciano disse:

    Quando ralava o joelho, caindo do muro, andando de bike,,jogando bola na minha infancia nessas terras,,tacava barro das ruas mesmo ,era melhor que mertiolate,,passava a dor num minuto,pronto pra outra ,,,talvez o Trump ao recomendar o desinfetante desconhecia os poderes terapeuticos miraculosos do barros de ARAGUARI,OURO PURO…

  2. darciano disse:

    Picada de abelha e marimbondo entao era um balsamo,

  3. Tania Maria Alves Helou disse:

    Esse assunto é extremamente importante e deve ser muito discutido por todos. As fale news se tornaram um grande perigo para as relações humanas, para a saúde física e mental. Infelizmente temos casos gravíssimos de
    fake news em todas as esferas do governo, e da sociedade. Parabéns pela escolha desse tema.

  4. Luciana C. Abdala disse:

    Amei o texto do Dr. Leandro. Também entendo como crucial a análise disso q ta acontecendo. Já ansiosa para o próximo texto. Parabéns para o Jornal contratá-lo.. enriqueceu muito o memso.

  5. Tunay Ribeiro de Carvalho disse:

    Muito bom o resgate histórico sobre as origens das fake news. Texto muito importante, já que esse problema é o maior risco à civilização que já enfrentamos.

  6. Elpídio Júnior disse:

    Boa tarde!
    Belo texto.
    Parabéns!!!

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