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Ficha Técnica – Seus dez mandamentos foram extraviados

ter, 27 de junho de 2017 05:35

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Acordo e logo salta-me aos olhos as cenas de um rapaz detido por estuprar uma adolescente autista de 13 anos. Parecia cinematográfico, mas vinham das câmeras da rua. Soube que identificaram a placa do carro, o exame ratificou a violência e a vítima o reconheceu como o autor, que responderá em liberdade. Vi um motorista atropelar skatistas em São Paulo, e torcedores espancando um rival. De tão nítidos, fui quase testemunha. Espanto com as imagens, padeço com as estatísticas. Ninguém se lembra de navios que não afundaram.

Nunca é tarde para lembrar *Divulgação

Nunca é tarde para lembrar
*Divulgação

Há 26 anos, Neto, então jogador do Corinthians, cuspia no então árbitro Fifa, José Aparecido de Oliveira. Mais um capítulo sombrio entre tantos na história do juiz. Negro, órfão de pai e mãe, foi ameaçado de morte e renegado por resistir à pressão da CBF para favorecer o Brasil num amistoso de 1 a 1 contra o México, e a Argentina na derrota de 2 a 1 para a Colômbia. Ambos corriam o risco de ficar fora da Copa. Mas a maior mágoa do ex-dono do apito viria anos depois, ao ser diagnosticado com um câncer no estômago. Durante todo o tratamento, recebeu apenas duas visitas.

Não fosse a reportagem da ESPN, talvez não saberia disso, assim como desconheceria a realidade de Roger, atacante do Botafogo e pai de Giulia, deficiente visual que pela primeira vez sentiu o gol do camisa 9 em casa durante visita da equipe do Globo Esporte. Tem visitantes que pegam de surpresa, alguns pela sinceridade e emoção, outros pelo exercício da demagogia, da preocupação repentina e da empatia quase divina. Nenhum deles é tão indesejável quanto o Corinthians, líder brasileiro dentro e fora de São Paulo.

Costumo dizer que a verdadeira amizade se conta nos dedos da mão direita, o restante basta esperar que aparecerá quando estiver de corpo inteiro. Para os bons momentos, todos são amigos de fé. A torcida da Chape reclama da má fase da equipe sete meses depois da sua maior tragédia. Talvez com melhores companhias, a Portuguesa de Desportos também não chegasse tão além do fundo do poço, eliminada da quarta divisão nacional quatro anos depois da queda na Série A. “Amigos” que estendem uma das mãos para pedir com outra.

Andar ao lado de quem mais convém, jogar junto daqueles que mais têm, publicar o que é mais viável, prender o mais vulnerável. Reclamar da humanidade e tratar um árbitro ou um torcedor rival feito animal. Defender os animais e tirar foto ao lado de um bicho selvagem dopado. Pregar alguém para cristo para se eximir do estrago que dissemina dentro de si. Perdão, mas seus dez mandamentos foram extraviados. Que Deus perdoe essas pessoas ruins.

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