Ficha Técnica – Ponto cego
qua, 25 de outubro de 2017 05:08Rio de Janeiro, manhã de terça-feira, 24 de outubro de 2017. O excelentíssimo senhor Marco Polo Del Nero chega até a sede da Confederação Brasileira de Futebol para o Simpósio de Educação Continuada da Comissão Nacional de Médicos do Futebol. Visita peculiar para alguém que impera num esporte que há anos respira com a ajuda de aparelhos. Falem da galinha dos ovos de ouro! A amarelinha desbotada e depenada por alemães três anos atrás. Aliviados, passos curtos e protocolares parecem sambar sobre um caminho de calvário. Mas afinal, para onde foi o seu legado?
Proibido de cruzar a fronteira desde que se tornou alvo de investigações de corrupção pelo FBI e a Fifa, o ex-aventureiro brasileiro é o primeiro Marco Polo do mundo que não viaja, dizem especialistas. A pouco mais de um mês do sorteio dos grupos da Copa da Rússia, ele foi questionado sobre a sua presença no mundial do próximo ano, mas se esquivou feito a Jeiza na final fictícia do UFC. “Se perder, vão dizer que sou pé-frio”, disse.
Há três anos, Del Nero abriu as portas do Brasil para a Fifa que, enrolada até o pescoço, fechou a passagem dele para o mundo. Em caminho similar, a Rússia anunciou o aumento do orçamento da Copa de 2018 para R$ 38 bilhões, sem qualquer justificativa apresentada. Lembra da “Copa mais cara da história?”. Enquanto uns juntam os cacos numa terra arrasada e outros levantam um império, Paraguai, Argentina e Uruguai pretendem beber da mesma fonte como sedes do mundial de 2030.
Lançada este mês, a candidatura dos três países sul-americanos é até compreensível diante da memória quase centenária dos mundiais. Sediar uma Copa do Mundo é o roteiro mais que perfeito para uma edição especial de “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”. Acontece que, assim como no Brasil e na África do Sul, o padrão Fifa que chega é o mesmo que vai embora, e permanecerá ainda maior com o novo modelo do torneio, com 48 seleções. Uma entidade cada vez mais rica e um futebol ainda mais pobre.
Se o esporte imita a vida, no futebol ela é a escória intolerante, vazia e inescrupulosa da sociedade. Uma organização que abraça o mundo e esquece de regar o quintal de casa. Um desserviço que deságua em jogadores operários que lutam para ganhar pouco mais de dois salários mínimos. Heróis anônimos, árbitros sem preparo, obras faraônicas engolidas por matagais e uma representatividade nula. É um ponto cego, que obstrui a visão de quem está de fora e fecha os olhos para o que se passou. Uma falha que requer uma reforma total, não apenas um ajuste no retrovisor.
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