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Artigo de Opinião: Doorgal Andrada

ter, 6 de abril de 2021 08:23

Páscoa, reflexões e propósito

Pelo segundo ano seguido, as cerimônias públicas da Semana Santa foram impedidas pelas restrições impostas pelo enfrentamento à pandemia. Nada de procissões, igrejas lotadas ou reunir toda a família para uma refeição especial. Mesmo que dessa forma mais contida e privativa, o sentido da Páscoa permanece e, ainda que seja uma celebração cristã, é um período que todos podemos aproveitar para exercitar a espiritualidade, dentro das crenças de cada um, e refletir sobre a vida e seus valores.

Recentemente, assisti a um vídeo que recorre à sabedoria antiga para diferenciar o mundo material do espiritual. Cita o texto que diz que o dinheiro compra uma casa, mas não um lar; compra o remédio, mas não a saúde; a cama, mas não o sono e assim prossegue. São outras para palavras, para ditos populares como “dinheiro não traz felicidade” ou “existem coisas que o dinheiro não compra”.

À parte as brincadeiras e controvérsias que giram em torno dessas expressões, é fato que aqueles que se deixam levar pelo desejo por conquistas materiais dificilmente se satisfazem e, ao contrário, tendem a se ver em uma busca incessante, tão vazia quanto frustrante. Um novo celular, um carro exclusivo, uma viagem espetacular, tudo isso é prazeroso e agradável, mas dificilmente terá um efeito duradouro. Falta a conexão com um propósito, com a essência da pessoa.

Esse dilema não é exclusivo dos ricos. Na verdade, ele diz mais do nosso tempo do que da situação financeira das pessoas. Desde meados do século passado, com a evolução da tecnologia e o crescimento da oferta de bens e serviços em todo o mundo, a cultura do esforço e da superação – que permeou as primeiras décadas século e os esforços de reconstrução do pós-Guerra – foi sendo substituída pelo individualismo, pelo consumo e pela busca por status que dominam os dias atuais.

Assim, a fixação em bens materiais e o desejo de consumir são questões da humanidade, não de pobres e ricos, da mesma forma que o exercício das virtudes transcende a questão financeira.

A filosofia e as religiões frequentemente abordam a questão do comportamento virtuoso, definido por Aristóteles como “fazer a coisa certa, na hora certa, da forma certa”. Coragem, prudência, persistência, paciência, determinação, humildade e compaixão seriam exemplos de virtudes a serem exercitadas pelas pessoas para atingir tal comportamento. Ainda assim, é possível que um humano virtuoso se veja às voltas com o “vazio existencial” desses tempos de supervalorização dos bens materiais.

Os grandes filósofos e os livros sagrados preconizam também que ter um “propósito de vida” é o caminho para se iluminar e encontrar a paz. Trata-se de um processo de descoberta individual que pode ocorrer muito cedo ou tarde na vida de uma pessoa, mas que sempre projeta algo superior, externo ao indivíduo, e que dá um sentido especial à existência. O propósito é aquilo que faz alguém se levantar da cama para cumprir uma missão, mesmo nos dias mais difíceis.

Muito se fala em “novo normal” como uma consequência da pandemia, tanto no plano mais prático das normas de higiene quanto em novos valores para nortear as ações individuais. Não creio nisso como um fenômeno universal. Porém, nesse momento de reflexão ensejado pela Páscoa, cabe, sim, almejar que todos busquemos um propósito e mais equilíbrio entre o mundo material e valores humanos, mais união e repudiemos o ódio que cresce e contamina as relações.

Nesse cenário conturbado, o sentimento é de desejo de ter de volta as pessoas queridas que se foram, assim como Jesus retornou na Páscoa. Que elas estejam sempre na memória, iluminando nossas decisões e nossos propósitos.

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