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Os encoxadores

qui, 22 de maio de 2014 00:00

ABERTURA DEBAIXO DO PE DE LIMAO
Alzira Riquieri

Nice estava voltando do trabalho na cidade de São Paulo. Pegou o ônibus lá pros lados do Anhembi, depois de um dia exaustivo, como secretária executiva de uma multinacional, saia justa, blazer bem cortado, blusa de seda, aqueles óculos inconfundíveis de miopia severa, escova feita de manhã, leve maquiagem e sapatos pretos fechados. Tinha, então, quase trinta anos, bonita, sem ser demais, séria sem ser carola, usava muito esmalte vermelho e nesse dia, as unhas estavam impecáveis.

No ônibus, leitora voraz, abriu um livro que segurou com uma mão e distraída, um pouco cansada, alisava o cabelo com a outra. Já era hora do lusco-fusco, e o ônibus seguia lotado, ainda longe das casas da maioria das pessoas. De repente, Nice sentiu algo quente. Pela visão periférica, percebeu ser um pênis ereto, repousando calmamente na sua mão de secretária. Sem cerimônia, nem olhou pro dono do membro, e cravou os unhões vermelhos na carne. A cada solavanco, Nice apertava e puxava inclemente, em meio aos gemidos do dono. Andaram assim por mais de dez minutos, até que a mão doeu e soltou o membro. Só viu, de rabo de olho, um sujeito descer rapidamente no primeiro ponto. A partir desse dia, armou-se com uma agulha de costurar saco de aniagem e teve oportunidades de usar o espeto, em várias ocasiões. Nice, hoje, tem quase setenta anos.

A menina Luci sempre chegava irritada em casa, ao voltar de ônibus do curso de inglês. Era assediada por homens que tentam passar a conhecida “mão boba”, em seu traseiro e pernas. O detalhe é que ela tinha apenas doze anos. Por conta do assédio, os pais decidem levá-la e buscá-la de carro.

A empregada da casa, Ilza, de 45 anos, pega ônibus do Canaã, em Uberlândia, para o trabalho e tem igual queixa. Assim como suas amigas, armou-se de uma agulha enorme, que carrega na bolsa. Diz que já espetou muito malandro.

Apesar da liberdade sexual que se desfruta na atualidade, histórias como essas, que são verídicas, acontecem todos os dias, com mulheres de idades e origens diferentes, que têm no transporte coletivo o seu meio de transporte. Para a polícia, são os encoxadores, para as mulheres, tormento que lhes rouba a dignidade.

Tem gente que acha que a atitude desses homens sem limites decorre da roupa provocadora das mulheres. E o pior, proclamam essa indignidade pelas redes sociais, de forma machista e preconceituosa, formatando o conceito da mulher provocadora, que merece ser estuprada.

Recentemente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou uma pesquisa em que 26,00 de quase quatro mil entrevistados responderam que mulheres que mostram o corpo “merecem ser atacadas”. Dos pesquisados, 58,5% concordaram com a frase “Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”. A minoria das pessoas acredita que nenhuma mulher merece ser estuprada, e suas roupas ou seu comportamento não dão nenhum tipo de razão a seus agressores.

O Movimento “Mulheres em Luta” de São Paulo distribuiu em abril, nos pontos de ônibus da cidade, não armas de choque ou spray de pimenta, mas alfinetes para as mulheres que utilizam o transporte público da cidade. O leme da campanha é incisivo: “Não me encoxa, que eu não te furo!”.

No Distrito Federal, com o aumento de denúncias de assedio sexual nos ônibus, foi lançada campanha que pretende instruir e mostrar que assedio é crime passível de enquadramento como “importunação ofensiva ao pudor” e até estupro e mais que dá prisão pra o autor.

Na maioria dos casos, as mulheres não sabem que estão diante de um crime e não denunciam, por medo ou por vergonha, abrindo caminho para a continuidade do comportamento. Nada mais errado. Infelizmente, o machismo está enraizado na sociedade, repetindo padrões ancestrais, que só serão rompidos, com a intolerância das mulheres. O medo de ser pego é uma arma poderosa contra os encoxadores. Enquanto as mulheres não se conscientizarem disso, os grupos de encoxadores estarão contando nos bares e grupos das redes sociais seus crimes e arrebanhando adeptos que encoxarão, sem dúvida nenhuma, nossas filhas e até nossas netas.

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