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Direito e Justiça – Água no leite

qui, 19 de junho de 2014 00:00

abertura Direito e Justiça
Dois mineiros típicos, desses de um dos nossos tantos grotões, médios produtores de leite, resolveram, compadres e amigos que eram, conhecer o Rio de Janeiro, e, por lá, dar uma chegadinha a uma das tantas praias cariocas, pois jamais tinham visto o mar, e só sabiam que era muito, muito grande, … e por ouvir falar.

Na praia, sem nenhuma coragem para cair na água, ambos estavam embasbacados, completamente mudos, apreciando aquele “marzão besta, sô”.

Depois de muito tempo, um disse para o outro:

O um:
– Compadre, estive matutando numa coisa…

O outro:
– No quê, compadre?

O um:
– Compadre, a gente que vende leite, mas tem época que a vacada seca; já pensou, se esse marzão todo fosse feito de leite, o quanto a gente ia ganhar de dinheiro, pensou, compadre…?

O outro:
– Uai!  Pensei, sim, compadre. Mas, tem um “pobremão”…

O um:
–  Qual “pobrema”, compadre! O trem ia ser muito bão…

O outro:
– Eu sei, compadre. Mas, aonde a gente vai arrumar tanta água para misturar no nosso leite…?

Observações do articulista:

Que bons tempos eram aqueles!

Tempos em que os leiteiros “apenas” misturavam “água” no leite, e que vendiam o produto nos grandes latões, em suas charmosas carrocinhas. Quando muito, com “um pouquinho” de sujeira, como “baratas moídas” ou “ratos em decomposição”, mas sempre uma “fonte segura de proteína”, que nem fazia tanto mal assim, se é que fazia…

Pobres e perseguidos leiteiros das carrocinhas.

Pobres e desvalidos fazedores de queijos artesanais.

Pobres e “ingênuos bandidinhos de pequena monta”…

Hoje, vocês não têm mais lugar em face da bandidagem oficial, bancada pelo Estado e pelos seus Governos, praticada em concreto pelos políticos, empreiteiras, empresas multinacionais, bancos, enfim, por todos aqueles que rapinam o País e sugam-lhe todo o sangue, sem falar  da mistura e da adulteração do seu leite, PERMANECENDO IMPUNES ANTE O OLHAR PLÁCIDO DA JUSTIÇA.

Mistura e adulteração do leite?

Hoje, tudo isso mudou.

A mistura e a adulteração do leite continuam, ainda com bastante água, mas sem baratas ou ratos, pois que agora ele é passado pelo sistema de pasteurização é a tramóia é, convenhamos, muito mais sofisticada, sendo feita com água oxigenada, soda cáustica e alguns outros tantos e identificáveis produtos nocivos, tóxicos e até letais, ATÉ MESMO COM A CONIVÊNCIA DE FISCAIS DO SERVIÇO FEDERAL DE FISCALIZAÇÃO SANITÁRIA (OU EQUIVALENTE).
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Os jardins do Califa

Há mais de mil anos, quando o Imperador Carlos Magno reinava no Ocidente, pontificava em Bagdá o glorioso Califa Harrum Al Rashid, Emir dos Crentes, sombra e representante de Alá na Terra.

Após o décimo ano do seu reinado, havia ele concluído a edificação de um magnífico e suntuoso palácio, orgulho de todos os bagdális. Porém, para que a imensa obra restasse inteiramente completa, inserindo-se dentre as maravilhas do seu tempo, era preciso ampliar os não menos maravilhosos jardins que circundavam a construção.

Existia, porém, um obstáculo intransponível, pois, pelo lado oeste, além dos muros divisórios, existia uma tosca e pobre choupana, habitada desde muitos anos por um quase centenário ancião. Isso impediria inteiramente o projeto ambicioso do Califa, que enviou o seu próprio Grão-Vizir a parlamentar com o velho, propondo-lhe a compra do imóvel por um preço dez vezes superior ao que realmente deveria valer.

Altaneiro, disse o velho ao Grão-Vizir, após dele haver recebido a generosa oferta:

– Gostaria muito de poder satisfazer o pedido do nosso bondoso e honrado soberano, Alá bem o sabe e grande e santo é o seu nome. Porém, não posso atendê-lo, pois, neste mesmo lugar em que nos encontramos, viveram e morreram meus avós, meus pais e os meus filhos queridos. Aqui também haverei de morrer. Após isso, o Guia dos Crentes poderá tomar para si esta terra e esta casa, fazendo, então, o uso que lhe aprouver.

O Grão-Vizir, ante a inesperada recusa e em face dos seus termos inacreditáveis, esbravejou ameaçador:

– Insolente! Como ousas. Como tens tu a petulância de enjeitar a proposta do nosso Califa; como te atreves a negar-lhe o teu consentimento, para tranferires esta mísera choça, com seu terreno, a fim de que nosso Soberano e Senhor estenda para estes lados os seus jardins? Pagarás com a tua vida, hás de ver! Espera!

E, apressado, voltou ao Califa, narrando-lhe todos os fatos e dando a sua opinião, para que se tomasse o imóvel à força, atirando-se o velho nas masmorras.

Sereno, o Califa decretou o seguinte:

– Proíbo, por mim e por meus sucessores, sob pena de morte, a qualquer dos meus súditos, de molestarem àquele ancião. O casebre ali deverá permanecer, sendo imediatamente reformado às expensas do meu Tesouro, e o velho terá uma pensão anual de cem dinares de ouro, para que possa encerrar os seus dias nesta terra com dignidade e conforto.

E finalizou:

– Um dia, no futuro, quando ele e eu não mais estivermos aqui, e que Alá seja clemente e misericordioso, os meus descendentes e o meu povo, olhando para este magnífico palácio, certamente haverão de exclamar: “Harrum Al Rashid foi grande”. Olhando, todavia, para além dos muros do oeste, e avistando aquela choupana, haverão também de dizer: “Harrum Al Rashid também foi justo”.

Fonte: Malba Tahan.
Lendas do Céu e da Terra.

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