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“As pessoas são aquilo que elas amam.” Rubem Alves

qui, 7 de agosto de 2014 00:03

ABERTURA DEBAIXO DO PE DE LIMAO
Alzira Riquieri
 

Os rins falharam, depois o coração, e depois tudo falhou. E Rubem Alves, que amava os ipês amarelos, partiu para enfeitar o céu de palavras e amor, borboletas e sentimentos.

Na missa de 7º dia da Eunice, gente pra lá de especial morta há mais de quinze anos, o padre disse que Deus precisa na sua equipe do céu, de gente competente e não apenas daqueles que a gente acha que já vão tarde. Por isso, certeza mesmo, chamou o Rubem Alves, pra brincar de frases. O céu estava meio triste, com tanta guerra. E lá se foi o encantador de palavras contar causos e falar de sentimentos pros anjo do espaço. E logo ele, que alardeava seu caso de amor com a vida…

A efemeridade da vida foi comparada ao apagar das velas no bolo do aniversário. “A celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe. Fósforo que foi riscado. Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festa de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte.”

Falando do amor, ele entendeu a sua finitude: “Amar é ter um pássaro pousado no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo, sabe que, a qualquer momento, ele pode voar”.

Ria-se dos altos e baixos da vida, que definiu como apropriados ao brilhantismo de cada dia: “sem as tristezas, as alegrias são vazias, e sem as alegrias, as tristezas são abismos escuros”.

A morte tem sua certeza: todos vamos morrer e pronto! Por contrário que possa parecer, sobre o jeito de viver, Rubem Alves falou de morte: “… o grupo daqueles que vão morrer, mas vivem como se fossem viver para sempre. Esses são os tolos. O outro é o grupo, daqueles que vão morrer, sabem que vão morrer e, por isso mesmo, cuidam do tempo de vida que lhes resta. Esses ficam sábios.”

A brincadeira com as palavras era o encantamento das pessoas. Quantos anos Rubem Alves tinha? “Não sei. Se você me perguntar quantos anos eu não tenho, eu sei dizer. Eu não tenho 80 anos, esses 80 que dizem que são os anos que eu tenho, são precisamente os anos que não tenho porque eu já vivi, isso tudo que está aqui passou, passou.”

Filhos têm amargor especial de vôos inevitáveis. O porto seguro vai ficar pra trás, por mais seguro e acolhedor que seja. Segundo ele, é “muito melhor ser livre do que imprescindível. Aprendo que é preciso ter coragem para voar e deixar voar.”

Hoje, os meus próprios filhos estão prontos pra voar. Não quero ser imprescindível, apesar de ter dado a eles tanto calor de ninho. Mas, eles têm de voar e depois deles, deixar voar meus netos. Assim é o ciclo da vida. Dói pensar em casa vazia, sem risos de crianças e falação de – Mãe, cadê isso! Mãe, cadê aquilo! Lembro muito do dia que pela primeira vez, fui pra chácara sem os dois e fomos fazer churrasco. Ficamos ali, revestidos de pais bobos, chorando o vazio do ninho. Depois disso, houve outros churrascos e almoços de domingo. Eles voam e voltam, mas sempre voam!

Enquanto isso, nessa noite de lua nova, lá pra cima, tem um trio do barulho reunido, Rubem Alves, Ariano Suassuna e João Ubaldo Ribeiro. Escuto as gargalhadas dos três e o charme de Rubem. Que é que ele está dizendo: “Sou novo por aqui. Só gastei um mês da minha vida espiritual…”

Resta uma criança que mora nesse corpo de velho e procura companheiros para brincar. .. resta uma ternura por tudo o que é fraco.

1 Comentário

  1. PAULO SÉRGIO FERREIRA disse:

    Belo texto-homenagem ao nosso ilustrado RUBEM ALVES, verdadeiro encantador das palavras e garimpeiro original de seus sentidos.

    E, alinhando sua verve ao pensamento de Gibran: …” nossos filhos não são nossos filhos; são, (antes), filhos da ânsia da vida por si mesma! Provêm de nós, mas não nos pertencem… ” Emocionante !

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