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Se necessário use palavras…

qui, 15 de maio de 2014 00:00

juliano fabricioJULIANO FABRICIO

“Pregue o Evangelho o tempo todo. Se necessário use palavras.”

A frase acima é comumente atribuída a São Francisco de Assis e usada como um pretexto para o seguinte:

“Não é mais necessário pregar, basta viver o Evangelho e as pessoas entenderão quem é Jesus.”

Primeiramente, quero dizer que gosto de São Francisco. Tenho suas obras completas (Escritos e biografias de São Francisco de Assis, Crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano), das quais li 1/3 aproximadamente, e sua vida muito me inspira. Um dos meus hinos favoritos é baseado em um cântico escrito por Francisco.

Em segundo lugar, apesar de ser reconhecidamente bem franciscana em seu espírito, tudo indica que a frase acima não é de São Franciso de Assis. Os mais eminentes estudiosos franciscanos pesquisaram todos os seus escritos e as biografias escritas até 200 anos após sua morte e não encontraram nelas tal frase. O mais próximo que chegaram foi a uma instrução que Francisco deu em sua Regra Não-Bulada dizendo que ninguém deveria pregar a menos que tivesse recebido permissão de seu ministro para fazê-lo. E acrescentou: “No entanto, todos os irmãos podem pregar pelas obras.” (RegNB 17.1 e 3)

Entretanto, uma vez que a frase é atribuída a São Francisco e usada para apoiar a atitude de cristãos pós-modernos de não pregar (visto que pregar é antiquado, ofensivo e politicamente incorreto), por que não olhar para a vida de São Francisco e ver se o modo como ele viveu sustenta essa teoria?

A biografia de São Francisco revela que ele foi um fervoroso missionário, viajou centenas de quilômetros para pregar (isso mesmo!) o Evangelho aos italianos, desejou muito alcançar os sarracenos (muçulmanos) chegando a enfrentar um naufrágio (na primeira tentativa de ir até a Síria) e enfermidade (quando se encontrava à caminho do Marrocos). Francisco era um pregador ao ar livre, falando nas feiras públicas, das escadarias das igrejas e das muretas nos pátios dos castelos. O livro St Francis of Assisi and the Conversion of Muslims por Frank Rega, narra o esforço de Francisco para converter Melek el-Khamil, sultão do Egito, durante a Quinta Cruzada (1219). Francisco esperava convertê-lo “não com armas, mas sim com palavras” diz o monge John Michael Talbot em seu livro Lições de São Francisco. Talbot cita Chesterton: “Francisco seguia esta máxima simples: É preferível criar cristãos a destruir muçulmanos.”

O capítulo 16 de sua Regra Não-Bulada trata dos que quiserem “ir para entre os sarracenos e outros infiéis.” Francisco dá a seguinte instrução: “Os irmãos que partirem [em viagem missionária] poderão proceder de duas maneiras espiritualmente com os infiéis: O primeiro modo consiste em abster-se de rixas e disputas… e confessando serem cristãos. O outro modo é anunciarem a palavra de Deus quando o julgarem agradável ao Senhor.” (RegNB 16.6-8)

Não há dúvidas de que São Francisco pregava, de que ele acreditava na necessidade de conversão das pessoas e de que usava palavras para comunicar o Evangelho. De fato, São Francisco gostava tanto de pregar, que ele passou a pregar até mesmo para os pássaros e animais (sim, com palavras!) de acordo com algumas das lendas a seu respeito, surgidas após sua morte (a mais famosa delas é o Fioretti escrito no século 14).

Assim sendo, creio que o sentido da frase não é que não devemos usar palavras. É que sempre que necessário, devemos usar palavras. E palavras são necessárias quando se trata de explicar a razão de nosso amor, fé e esperança.

É simplesmente impossível conhecer Jesus sem a pregação. Como argumentou o apóstolo Paulo: “Como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não houver quem pregue.”

Sem a pregação as pessoas podem até ter uma idéia de que servimos a Deus, mas ficam sem saber quem/como Ele é. Seria esse Deus a natureza ao nosso redor? Seria uma energia cósmica? Uma força impessoal?

A frase deveria ser vista mais como uma advertência contra a hipocrisia daqueles que pregam, mas não vivem o que pregam, do que uma instrução para que se pare de pregar e ensinar o Evangelho de maneira clara e verbal.

Para o seguidor de Jesus, pregar e ensinar não são opcionais. São uma ordem. Jesus disse: “Vão e preguem o evangelho a todas as pessoas” e “vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os… ensinando-os a obedecer tudo o eu lhes ordenei.”

Se há algo claro nas Escrituras é que obras não salvam. Isso foi denunciado pelos profetas no VT, demonstrado por Jesus e ensinado pelos apóstolos no NT. Boas obras podem ser praticadas em abundância, mas elas não são suficientes para salvação. Qualquer crente fiel ao espírito das Escrituras sabe que não faz obras para ser salvo, mas faz porque foi salvo, faz porque ama Aquele que nos amou primeiro e nos ensinou o amor pelo próximo.

Boas obras feitas em nome de Jesus demonstram amor. Mas as pessoas só saberão que é o amor de Deus que nos constrange se nos dispusermos a falar isso a elas, respondendo a todos os que nos perguntarem a razão de nossa esperança. Caso contrário, elas podem até pensar que foi Kardec, Buda ou Maomé quem nos inspirou a fazer tais obras.

Ao mesmo tempo, creio que devemos nos questionar o que há de errado quando, ao viver nossas vidas em devoção profunda por Deus e demonstração de amor pelo próximo com a prática de boas obras, ninguém nunca nos pergunta a razão de nossa esperança, fé e amor.

Viva o Evangelho o tempo todo. Quando lhe perguntarem a razão, use palavras.

Boa reflexão em um papo
com Sandro Baggio

7 Comentários

  1. Claudemar da Silva Rocha disse:

    Bem, em primeiro lugar gostaria de esternar o meu ponto de vista em relação a frase em questão: Se você vive uma vida realmente pautada por atitudes humanas creio que não será necessário, ficar pôr aí falando pelos cotovelos sobre assuntos que muitas vezes não vive.
    Em segundo lugar, o exemplo é mais convicente que sermões que em sua grande maioria são apenas extensos e vazios sem profundidade alguma.

  2. Laurimar Dias Mesquita disse:

    Olá.. entendo perfeitamente a sua reflexão e ponto de vista acerca da frase atribuída a São Francisco e, caso não tenha partido dele próprio em palavras, partiu da própria vida que ele levou, de suas escolhas em seguir o Cristo de forma tão contundente quando ele renega toda a sua fortuna material, se faz nu diante daquilo que ele não acreditava mais, ser a essência da vida. Entendo essa frase completamente diferente, pois, quando a gente lê: pregue o Evangelho o tempo todo, é um chamamento para que em nossas atitudes, os ensinamentos do Cristo estejam sempre presentes. Se necessário, use palavras, é porque ao pregar o Evangelho pelas ações, as palavras seriam secundárias. Isso não quer dizer que as instituições, os ritos estejam em risco, penso que eles estarão quando a pregação não for acompanhada das ações…. as palavras, quando alcançarmos um patamar de prática do Evangelho, não serão mais necessárias, pois chegaremos o ponto exato que o Cristo deseja. É assim que penso. Obrigada pela reflexão.

  3. SOL MORAES disse:

    “Pregue o Evangelho todo o tempo. Se necessário, use palavras. … É O EVANGELHO MAIS PRÁTICO, MAIS AÇÃO E MENOS TEORIA.

  4. Jack Wonder disse:

    Concordo com a análise sobre o texto. Se assim foi até comportamento de filosofias, convivência e cidadania seriam confundidas com o Evangelho. O que na verdade seria impossível se compreender sem explicar. Como crerão se não há quem pregue?

  5. SUELI GALVÃO disse:

    Acredito na fidelidade das escrituras…. a refutação sobre pregar e não viver nada mais é que uma desculpa pra não se pregar.. sendo que na verdade ao observarmos a obra de Cristo vemos que ele ensinava e pregava,nos evangelhos vemos sua ordem impertiva de pregar, em Romanos vemos claramente Paulo dizendo que a Fé vem pelo ouvir,e ouvir a palavra de Deus,não temos nenhum texto biblico sequer que apoie o “usar palavras se necessario” pelo contrario , todos mostram a necessidade da pregação da palavra.
    Colocar nosso comportmento , ações como definição de pregação evangelho é trazer a gloria para o homem, pois por melhor que o homem seja , existe uma explicação, é a transformação em Cristo Jesus por meio da sua palavra.

  6. Diego Bizarro disse:

    Belo raciocínio! A frase busca convocar à ação, e não simplesmente viver de contemplação. Destarte, ação conjugada à palavra é como a ciência aliada à religião, só temos a ganhar, tendo em vista serem aliadas.

  7. Ana Maria disse:

    Não importa de quem é a frase, mas eu a considero perfeita. Entendo que ela não exclui a divulgação do evangelho, mas sim que fala e comportamento precisam estar alinhados. Não adianta falar de Deus e ser pedófilo; falar de amor e usar o dinheiro dos fiéis em benefício próprio, usar as mãos pra curar e assediar…aqui nas entrelinhas temos católicos, evangélicos e espíritas; pessoas que pregam uma coisa e fazem outra. Acredito que Deus não deixará sequer uma ovelha perdida, mas devemos nos apressar no bem e colaborar com a nossa evolução.🙏🏽💞

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