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Saúde mental. Parte 3 – Sociofobia

sex, 7 de fevereiro de 2014 00:02

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1-O que é sociofobia?
Ansiedade social todo mundo tem. É normal sentir certo grau de preocupação com a imagem e ao falar com uma autoridade ou com uma pessoa que não conhecemos, mas a maioria consegue lidar com essa sensação de desconforto. Algumas pessoas, porém, chegam a evitá-la de modo tão intenso que comprometem a qualidade de vida. Esse tipo de esquiva fóbica é o que chamamos de fobia social. Concluindo é um medo persistente e irracional de situações que envolvem a análise ou o julgamento feito por outras pessoas, como festas e outros eventos sociais.

2-O que justifica esse transtorno de comportamento?
Todos os animais sociais defendem a própria vida e seu nicho social com a mesma intensidade, não pela sobrevivência da espécie, mas para que seus genes sobrevivam e passem adiante. Para deixar descendentes viáveis, eles precisam estar vivos e inseridos socialmente pelo menos de forma razoável. Por isso, os animais sociais protegem sua imagem e sua posição na hierarquia social.
Pacientes com fobia social têm sensibilidade mais aguçada para se sentirem humilhados ou rejeitados em contextos interpessoais, ou seja, em contextos que incluam pessoas desconhecidas, pouco íntimas ou muito críticas, do sexo oposto, ou autoridades. Por trás disso, existe o medo excessivo de ficarem embaraçados ou humilhados na frente dos outros. Essa é a essência da fobia social.

3-Algumas crianças têm muita dificuldade de relacionamento com pessoas estranhas. Você chega perto, elas correm e agarram-se na mãe. As fobias sociais começam a instalar-se na infância ou surgem mais na vida adulta?
Muitos pacientes relatam, se não o início da fobia social, pelo menos certo evitar das situações sociais na infância. Eram crianças que se escondiam atrás da mãe quando chegava um amigo da família em casa. Diferentes daquelas que têm essa reação no começo, mas dali a pouco estão sentadas no colo da visita, chamando-a de tia ou tio, querendo saber o que faz e onde mora, uma vez que não têm inibição comportamental perante adultos; aquelas que se retraem correm maior risco de desenvolver o problema mais tarde.

4-O que se pode fazer nesses casos de timidez excessiva?
O que mais se tem discutido hoje é como intervir precocemente, porque a fobia social está ligada a uma série de complicações. Fobia social aumenta o risco de abuso de álcool e de outras drogas até porque a pessoa não consegue lidar muito bem com a pressão exercida por seus pares e acaba virando maria-vai-com-as-outras. Aumenta, também, o risco para depressão e problemas de ansiedade na vida adulta.

5-Quais as causas da fobia social?
A fobia social é extremamente complexa na sua origem. No transtorno de pânico, por exemplo, a possibilidade de ocorrência da doença por fatores genéticos gira  em torno de 70% e os fatores ambientais pesam pouco; na fobia social, ao contrário, apenas por volta de 30% dos casos podem ser atribuídos a causas genéticas. O restante se deve a vivências complexas.

A criança nasce numa família e os pais constituem o primeiro modelo que conhece.   Observar como eles lidam com a adversidade, se veem o ambiente social como fonte de prazer e alegria ou como algo desconfortável e ameaçador, se são tímidos ou têm muitos amigos com filhos de idade próxima com os quais ela aprende a conviver de maneira harmoniosa, essa experiência precoce é muito importante.

Crianças provocadas e maltratadas pelos colegas de escola, que vivenciam experiências marcantes de rejeição e sofrimento no relacionamento interpessoal, são mais suscetíveis ao aparecimento da fobia social na vida adulta. No Brasil, essa questão não é muito discutida. Na Inglaterra, porém, não faz muito tempo, houve casos de suicídio de crianças que deixaram cartas acusando a escola de não as ter protegido contra situações desse tipo e foi organizada uma campanha para que os adultos interferissem um pouco mais nas relações entre os jovens a fim de evitar fatos como esses.

Na verdade, a provocação entre crianças é um caminho de duas mãos: tanto a criança mais tímida e fóbico-social é vítima fácil dos gozadores de plantão, quanto a vitimização faz com que a criança torne-se mais tímida e fóbica social.

6-Como os pais podem reconhecer a fobia social nos seus filhos?
Se quiserem, basta olhar para perceber. É a criança que não quer ir a festas, que se recusa a interagir com outras crianças da mesma idade, ou se queixa de dor de barriga na hora da aula.

Diante da recusa em ir para a escola, os pais devem tomar a iniciativa de falar com os professores para verificar se alguma coisa não está indo bem com a criança. Às vezes, mudá-la de classe é suficiente. Se não for, a mudança de escola pode propiciar-lhe outra chance de interação. Como se fosse um reset de computador, lhe será oferecida a oportunidade de começar de novo em outro ambiente.

Entretanto, se os pais perceberem que faltam habilidades sociais a essa criança, vale a pena investir num tratamento para desenvolvê-las e treiná-las, o que não é nada fácil.

7-Como se estabelece a necessidade de começar o tratamento?
Sempre são levados em conta os prejuízos que a fobia social provoca na vida da pessoa, sua incapacitação para trabalhar e estabelecer relacionamentos ou um comportamento de esquiva fóbica evidente. Mesmo que não ocorra grande prejuízo funcional ou sofrimento excessivo – “Consigo ir a festas e fazer seminários, mas depois parece que fui atropelado por um trem” –, essas queixas indicam que o portador atingiu um limiar que indica a necessidade de tratamento.

8-Como deve ser o tratamento de uma pessoa com fobia social?
O tratamento da fobia social requer sempre múltiplas abordagens, visto não ser uma doença de causas biológicas somente, nem de causas psicológicas apenas. Há vários indícios de que certos indivíduos têm alguns sistemas serotonérgicos  diminuídos e a serotonina exerce papel importante na mediação do estresse. Esses indivíduos com tônus serotonérgico mas baixo, lidam pior com situações aversivas.

Parece que também a dopamina, neurotransmissor associado com a motivação e com a busca de gratificação, está diminuída em alguns pacientes com fobia social.

9-Existem medicamentos para controlar esses distúrbios?
Medicamentos como os antidepressivos e os tranquilizantes são necessários para apagar o excesso de reatividade emocional e ansiedade. Entretanto, nenhum medicamento vai ensinar um homem adulto a aprender a conversar com uma mulher, coisa que deveria ter aprendido num bailinho aos 15, 16 anos de idade.

Existem aspectos que não são biológicos, que dependem de aprendizado, de desenvolvimento da personalidade. Essas situações requerem um tipo de treinamento chamado tratamento de habilidades sociais, que pressupõe aprender a fazer e a receber elogios, a reclamar, a posicionar-se e a exigir os direitos que lhe cabem, a falar em público.

O passo seguinte é a terapia de suposição. Pede-se que, dentro de uma hierarquia razoável, a pessoa se exponha aos piores medos de forma sistemática, gradual e progressiva de modo a ir obtendo vivências de sucesso, o que leva à diminuição da ansiedade antecipatória, o grande vilão que antecede ao enfrentamento das situações.

10-Qual a fronteira entre timidez aceitável e fobia social?
Não existe fronteira nítida. Como todos os problemas de ansiedade fazem parte da vida psíquica normal (todos nós sentimos ansiedade em algumas ocasiões e sob certas circunstâncias), estabelecer uma linha divisória entre timidez e fobia social não é uma questão de branco e preto. Existe uma série de gradações de cinza que precisa ser observada.

O que vai mostrar o momento de interferir são os prejuízos na vida da pessoa. Se ela é mais tímida e inibida, mas tem amigos, participa das entrevistas de emprego, não é solitária, consegue estabelecer relacionamentos românticos, a timidez é um traço de personalidade e não está prejudicando sua vida. Entretanto, se impedida pela timidez, não consegue encarar essas situações rotineiras e torna-se solitária, precisa de tratamento.

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