O pop não poupa ninguém
qui, 13 de março de 2014 15:58ZÉ VITOR DE AGUIAR – O sentimento de insegurança está batendo em nossa porta. E ninguém está livre! Na rua, pelo celular, dentro de casa e até no hospital. A banda Engenheiros do Hawaii já alertava que “o pop não poupa ninguém”… E ela estava certa.
Recentemente foi noticiado que o Senador da República Eduardo Suplicy foi vítima de uma tentativa de golpe por celular. O criminoso se passou por um sobrinho de Suplicy e pedia dinheiro para pagar o conserto de seu carro. Nem sobrinho, nem carro e nem pagamento. A farsa foi descoberta e o crime não se concluiu.
Há algumas semanas, no Rio de Janeiro, um grupo de marginais invadiu um hospital e levou o que pôde em questão de minutos: celulares, bolsas, carteiras e outros pertences de valor. Ninguém escapou, nem mesmo os pacientes.
Há poucos dias foi divulgado que um casal abusava de uma menor de 13 anos em Monte Alegre de Minas. A mãe e o padrasto mantinham relações sexuais com a jovem há dois anos. Os maníacos revelaram que assistiam filmes pornográficos com a menina e a fotografavam durante o ato criminoso.
O repórter Paulo Vitor Gomes mostrou, no mês de janeiro, a prisão de alguns suspeitos de abusar de uma criança de oito anos em Uberlândia. A Polícia Civil prendeu a mãe da garota, suspeita de permitir que três homens, entre eles o padrasto da criança, abusassem dela quando ainda tinha sete anos.
E, como não falar do caso desvendado nesta semana do filho que fingiu o próprio sequestro para ficar com o “resgate” de R$250 mil? Sua mãe, faxineira na Bahia, foi umas das ganhadoras do prêmio da Mega Sena da Virada.
No último ano, a população foi às ruas para dar um basta em tantos e consecutivos casos de corrupção e impunidade. Cartazes e gritos escancaravam o desejo de mudança, uma mudança de postura. No entanto, alguns bandidos, de modo selvagem, se infiltraram na multidão para saquear, destruir e incendiar, espantando a ordem e a civilidade.
Não, a reportagem não pretende colocar lenha na fogueira, mas levantar a questão para que a comunidade possa refletir. Para onde e como caminha a humanidade? O que tem motivado e alimentado atos extremos, atitudes agressivas e comportamentos animalescos como os que citamos aqui?
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O que dizem os especialistas?
CAMILA MAX e ROBSON FRANÇA – Não acreditamos que se tenha uma resposta para as questões e os fatos apresentados nesta reportagem. Para nós a criminalidade deve ser considerada em suas múltiplas determinações. Nossa intenção é contrapor ao viés moralista e hedonista que atribui a criminalidade meramente a um “desvio de caráter” de forma individualizada. É de extrema relevância levar em consideração a dimensão histórica e social da criminalidade, resultante das atuais configurações societais, sobretudo no que concerne aos processos de precarização do trabalho. É importante salientar que os detentos brasileiros têm um perfil característico das populações mais pobres. Esta realidade nos motiva a levantar uma assertiva de que o que se tem na verdade é uma criminalização dos indivíduos não funcionais ao capital. A população “disfuncional” ao capital, por sua vez constrói formas de resistência individuais e coletivas para sobreviver ao ataque das forças instituídas. Neste cenário, o Estado lança mão do aparato policial e judicial no sentido de conter as denominadas “classes perigosas”. Os sistemas punitivos, ao longo da história, são caracterizados pelas diversas estratégias que as classes dominantes lançaram mão, a fim de evitar as ameaças à ordem societal por elas instituída. A reclusão foi proposta como estratégia para controlar as classes marginais, a classe que continuará a ser o objeto criminal enquanto a classe dominante procurar perpetuar a si mesma. O capitalismo, tendo em vista os processos de acumulação, expropria e transforma produtores diretos em uma imensa maioria lançada a mais absoluta pobreza e à dependência exclusiva do mercado de trabalho. É sobre esses milhões de braços excluídos do mercado de trabalho que recai, então, o jugo de um robusto e crescente sistema punitivo. Analisando o perfil da população carcerária brasileira, segundo o Departamento Penitenciário Nacional, constata-se que em sua maioria, é composta de jovens em idade ativa com menos de trinta anos, com baixa escolaridade, com grande inserção na prática de crimes de furtos e roubos e com um alto índice de reincidência criminal. Os presídios e penitenciárias estão superlotadas como diria Ricardo Antunes, da classe-que-vive-do-trabalho, ou seja, de seres sociais que vivem da venda da sua força de trabalho em troca de salário e são desprovidos dos meios de produção: trabalhadores precarizados, terceirizados, fabris e de serviços part-time, proletariado rural, trabalhadores desempregados, uma parcela significativa de trabalhadores excluídos do processo produtivo, denominado de “massa sobrante”. Nesta perspectiva, não há como desconsiderar que a imensa maioria dos chamados “criminosos” é proveniente da parcela dos trabalhadores, da força de trabalho em excesso submetida ao desemprego e à precarização do trabalho. Pautamo-nos, portanto, num olhar sociológico sobre tal fenômeno. No entanto, não pretendemos que esta perspectiva seja universalizante, visto que consideramos a existência de outras causalidades e tipificações da criminalidade que podem ter abordagens diferenciadas sob o foco psicológico, filosófico ou ontológico. No entanto, não desconsideramos que a sociedade do capital contribui para o aprofundamento de valores focalizados no individualismo, na satisfação de si mesmo e dos seus interesses próprios, inserindo nos indivíduos sentimentos de competitividade e insegurança, o que os motiva a cometerem atos considerados criminosos pela sociedade.
Camila Maximiano Miranda Silva é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Uberlândia (2005) e em Serviço Social pelo Centro Universitário do Triângulo (2003). Atualmente é professora da Universidade Federal de Uberlândia no curso de Serviço Social. Mestre em Educação (2008) e Doutoranda pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia na Linha de Pesquisa em Trabalho, Sociedade e Educação – TSE.
Robson Luiz de França é pós- Doutor em Política Educacional pela Universidade Federal da Paraíba (2010). Doutor em Educação na Linha de Políticas Públicas pela Universidade Julio Mesquita Filho – UNESP/Araraquara (2002). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (1997). Especialista em Tecnologias para Educação a Distância (2009). Especialista em Direito Educacional (2010). Especialista em Supervisão e Administração Escolar (1994). Bacharel em Direito (2009). Graduado em Pedagogia UNI-BH (1990). Professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia atua do Programa de Pós-Graduação em Educação na Linha de Pesquisa em Trabalho, Sociedade e Educação – TSE e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade, Curso de Tecnologias, Comunicação e Educação, Mestrado Profissional. Professor da disciplina de Política e Gestão da Educação da Faculdade de Educação e da disciplina de Princípios de Organização do Trabalho do Pedagogo do Curso de Pedagogia à Distância da Faculdade de Educação. É membro do Grupo de Pesquisa em Trabalho, Educação e Formação Humana. Participa também como Pesquisador do Centro de Investigação em Educação – CIE da Universidade da Madeira – Funchal em Portugal e desenvolve estudos e pesquisas sobre Currículo e formação profissional, Trabalho e educação, cidadania e precarização do trabalho.
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CINTHIA MARQUES ALVES – Analisar um comportamento olhando só para ele é limitador e limitante. As explicações são mais amplas e complexas do que a cena em si. Para pensar sobre o excesso de agressividade, violência e falta de limites atuais é preciso considerar nossas predisposições e vulnerabilidades genéticas/hereditárias, nossas aprendizagens ontogenéticas que são advindas das nossas experiências com família, amigos, etc. e nossas aprendizagens advindas dos padrões culturais que temos produzido diretamente e dos quais somos produtos diretos.
Estamos inseridos num sistema econômico desigual, no qual não haverá nem distribuição homogênea e equilibrada da riqueza nem “lugar de destaque ao Sol” para todos, pois tudo isso é inversamente proporcional aos princípios e fundamentos do sistema. Inseridos num sistema político democrático cuja relação se dá, em muitas das vezes, com eleitores pouco reflexivos e governantes pouco interessados na opinião, nas necessidades e na vida da maioria. Inseridos num sistema judiciário no qual a lei existe, mas tem brechas, tem interpretações com pesos e medidas nem sempre iguais para todos: uma Justiça cega, mas que às vezes, abre um dos olhos para ver quem está do outro lado. Estamos inseridos num padrão estético rígido, ingrato e desumano no qual os bons são os magros, os brancos, os altos e simetricamente belos. E os que estão fora, são cruelmente esmagados nas piadinhas que contamos, nas novelas que assistimos e na música que cantamos. Consumimos um sistema de comunicação, cujos proprietários das concessões de rádio e TV criam “necessidades” irreais e fazem uma parcela gigantesca da população acreditar que “Isso é tudo que eu preciso para ser feliz. E preciso para agora!”. E muitos estão cada vez mais imersos nessa crença que faz de nós, pessoas completamente intolerantes às frustrações, quando o “agora” não chega. Intolerantes a qualquer frustração! Queremos tudo para ontem, do nosso jeito, sem trabalho, sem cansaço, sem dificuldade. Valores são alterados a ponto de comportamentos tais como: dar um jeitinho, mentir ou omitir para conseguir algo, deixar de fazer o trabalho se o chefe não estiver vendo, tomar uma lata de cerveja enquanto faz compras no supermercado e deixá-la em uma gôndola sem pagar, trair, enganar, tirar vantagem, furar fila, ver que a atendente errou no troco e não falar, etc, e tantos outros acabam sendo reforçados/aplaudidos/elogiados diariamente no nosso cotidiano. Vale lembrar que comportamento reforçado é comportamento mantido e o que é pior: pode ser generalizado para outras situações mais amplas, complexas e graves. Aplaudimos a ditadura consumista para todas as idades e de toda variedade: roupas, sapatos, tecnologias que evoluem assustadoramente, brinquedos, carros, cosméticos, etc. E as regras do consumo excessivo acabam sendo ensinadas desde muito cedo às crianças, que não se contentam mais com presentes simples e em datas específicas, mas exigem mensalmente (quiçá semanalmente) que seus pais (os detentores da possibilidade de satisfação imediata dos desejos) as atendam. E muitas dessas crianças são atendidas… E crescem acreditando que “eu tenho que ter de tudo”, que “eu não posso suportar a ansiedade e/ou o desconforto de querer e não ter, ou de não conseguir sempre ou de não ser o melhor em tudo”, e crescem também, com dificuldade de entender que, às vezes, ela não será amada por ‘A’, mesmo quando o ‘A’ for o seu objeto de amor”; ou que, às vezes, alguém não vai realizar suas vontades nem satisfazer todas as suas necessidades e que nem por isso, é preciso bater, xingar, odiar ou até matar essa pessoa, seja dentro dela mesma ou de fato! E nós estamos em meio a isso tudo! Diariamente!
Desigualdade, desrespeito, falta de acesso ao mínimo necessário para a sobrevivência e incapacidade de tolerar a frustração, tudo isso gera emoções intensas (inveja, ciúme, raiva, ira, etc) e diante delas, muitos acabam se desumanizando, adoecendo e se comportando sem a utilização daquilo que nos diferencia dos animais: capacidade intelectual e reflexiva, para pensar em alternativas e consequências dos atos diante das situações.
Criamos uma sociedade doente, desigual, desumana e marginalizante e queremos ver em todos, comportamentos humanos, saudáveis, resilientes, maduros e prudentes! Não! Não teremos! É óbvio que não estou fazendo apologia à violência ou a comportamentos agressivos e nem acho que a desigualdade instituída deve ser combatida assim. O que estou dizendo é que mais do que pensarmos sobre os comportamentos inadequados, sejam eles individuais ou de pequenos grupos “rebeldes” que vão parar a mídia, olhemos e analisemos o nosso comportamento social (em casa, na rua, no ônibus, na feira, nos bancos, em festas, no trabalho), olhemos nossa trajetória na história da construção social, olhemos para os ensinamentos que estamos passando para os nossos filhos e para as pessoas que convivem conosco, e respondamos, antes de tudo: “Onde nós queremos chegar?” e “Se continuarmos assim, onde chegaremos?”
Esse tipo de reflexão não tem que começar com o juiz, com o político ou com a polícia. É claro que eles também precisam (e muito!) se engajar mais na construção e na execução de políticas públicas e ações efetivas (saúde, educação, saneamento básico, segurança, transporte, etc) para a população. Mas é dentro das nossas casas que uma transformação precisa começar, em conversas e ações com os nossos pares, ensinando nossas crianças para que elas observem nosso comportamento, aprendam que isso vale a pena e desejem copiar!
Cíntia Marques Alves é graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/2004) e Mestre em Psicologia pela mesma instituição (UFU/2006). É especialista em Terapia Clínica na Abordagem Cognitivo Comportamental (2007), além de psicóloga clínica na Clínica Integrare de Terapia Cognitivo Comportamental em Uberlândia. Professora assistente II no Centro Universitário de Patos de Minas e professora na Faculdade Pitágoras de Uberlândia.
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