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Na copa do povo tem buchada de bode, por Francisco Luciano Teixeira Filho

qua, 25 de junho de 2014 00:02

 * Francisco Luciano Teixeira Filho

O legado da Copa, meus caros, será mais segregação, mais higiene social
e mais disciplina. O povo não participa da Copa. O colorido verde e
amarelo que se vê na periferia é a prova que a Copa é das elites

A Copa é do povo brasileiro, dizem. Mas eu não vi o povo na Copa. Não vi! Onde está? Vi uma classe média bem alimentada, branca ou embranquecida, com bochechas rubras e cabelos lisos… mulheres com decotes avantajados, pele branca, em câmera lenta no show do intervalo.

Onde está o brasileiro de Darcy Ribeiro, surgido do “entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos”? Ora, cadê a tia do milho? Cadê o mulato da cerveja? Cadê o moço do “olha o coco”? Cadê o saco d’água da bica? Cadê o jeitinho? Eu não vi. O que eu vi foi a velha elite branca ou embranquecida, herdeira dos antigos senhores de escravos, como bem descreveu Darcy Ribeiro. O futebol brasileiro, que se tornou o melhor do mundo, foi forjado na várzea, não na Copa dos europeus. Da Copa, sempre fomos os “micos”, não os astros. E o que se consuma na “Copa das Copas” é a estética burguesa, eurocêntrica, almejada para o Brasil, há séculos, por uma elite branca. O que é a Copa, senão uma oscarfreirização do país, mesmo que por trás das fachadas e dos estádios “ultramodernos”, a senzala se reproduza?

O legado da Copa, meus caros, será mais segregação, mais higiene social e mais disciplina. O povo não participa da Copa. O colorido verde e amarelo que se vê na periferia é a prova que a Copa é das elites. Quanto mais periférica a rua, mais as bandeirolas tremulam com o vento, que leva junto o cheiro de esgoto que corre na soleira da porta. A participação do povo brasileiro é aquela orgulhosa cantoria do hino, de pé, na frente da TV. A Copa do povo são as emoções narradas por um velho narigudo qualquer. A Copa do povo é aquela cervejada entre amigos, no bar da esquina, mas que deve acabar na hora exata para que o trabalhador, logo cedo, depois da festa, possa sacudir no ônibus para trabalhar por menos do que vale. E ele vai feliz, em clima de Copa, ainda vestindo verde e amarelo! Ora, fica evidente que o povo é um espectador distante, que só comemora porque ele cria sua própria festa, tal qual os baticuns da senzala nas noites de recepções do senhor, esta, em cristais da boêmia e baixelas de prata. E feliz, o povo agradece por ter autorização de fazer seu próprio batuque, desde que não atrapalhe a música de câmara da casa grande.

A Copa é das elites que estão chorando com o Neymar, cantando o hino nacional com a mão no peito, pois são essas elites que estão faturando milhões, por um lado, e ganhando um povo unido e patriota para lotar suas fábricas, por outro. As elites só ganham com a Copa! Nessa medida, é possível perceber que as críticas que as elites fizeram e fazem ao governo não dizem respeito à realização da Copa, mas à ineficácia administrativa de um partido que, embora tenha tentado com afinco, não transformou o Brasil na Champs-Élysée.

* Mestre e doutorando em Filosofia

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