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Miastenia gravis

sex, 18 de julho de 2014 00:00

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1-O que é miastenia gravis?
Miastenia é uma doença neuromuscular autoimune, ou seja, uma doença em que o organismo produz anticorpos contra determinados componentes que lhe são próprios e para os quais deveria desenvolver tolerância. No caso específico da miastenia, essa resposta imunológica vira-se contra componentes da placa motora existente entre o nervo e o músculo, responsável pela transmissão de estímulo nervoso que faz o músculo contrair.

2-Quais as características da miastenia?
Fraqueza muscular decorrente de um distúrbio nos receptores de acetilcolina localizados na placa existente entre o nervo e o músculo que interfere na transmissão do impulso nervoso é a principal característica da miastenia. Há duas formas da doença: a autoimune, adquirida, e a congênita, que é muito menos comum.

Para entender o que acontece nessa doença, é bom explicar o funcionamento do sistema motor. A execução do movimento voluntário depende de que um estímulo elétrico parta de determinada região do cérebro, caminhe por vias específicas e chegue à medula situada na coluna vertebral, de onde sai um nervo que alcança o músculo esquelético.

Como nervo e músculo não estão em contato direto (entre eles, há um espaço, uma fenda sináptica), o nervo libera um neurotransmissor chamado acetilcolina, uma espécie de combustível para o músculo, que nele encontra dois sítios receptores para fixar-se. A fixação abre um canal para que o estímulo elétrico passe para o músculo e atinja os filamentos responsáveis por sua contração. Esse processo tem de ser realizado de forma harmônica, organizada e muito rápida. Caso contrário, surge a fraqueza muscular.

 3-É muito comum as pessoas procurarem o médico queixando-se de cansaço. Como se distingue o cansaço da miastenia do cansaço provocado por outras situações?
É fácil estabelecer a diferença. Todos nós nos sentimos cansados se não tivermos a oportunidade de recuperar as energias gastas nas atividades diárias. Esse cansaço é contínuo e não piora de uma hora para outra. O que caracteriza a miastenia é a fadigabilidade anormal. De repente, as forças se exaurem, a fraqueza toma conta dos músculos dos braços e das pernas, a pálpebra começa a cair (ptose palpebral) e a visão fica dupla, porque o movimento de um dos olhos é mais lento.

Outros sintomas são voz anasalada, dificuldade para mastigar e engolir até mesmo a própria saliva e falta de ar. Uma das características da miastenia é que os sintomas melhoram quando a pessoa descansa e, em geral, ela se sente melhor pela manhã porque a acetilcolina decomposta no sangue é refeita e volta para o nervo.
O termo latino gravis foi empregado para definir esse quadro da miastenia.

4-Miastenia gravis, ou grave, por quê?
Porque não existiam remédios para tratamento e a pessoa morria, pois não conseguia engolir nem respirar. Apesar da fortuna que possuía, o armador grego Onassis morreu de miastenia em 1975, em virtude dos parcos recursos terapêuticos disponíveis na época.
Hoje, porém, podemos contar com tratamento para controlar as manifestações da doença.

5-Existem duas formas de miastenia: a congênita e a adquirida, que surge no decorrer da vida. Qual é a historia natural dessas doenças?
Na miastenia congênita, o defeito está no contato entre o nervo e o músculo. A causa pode ser a falta de uma proteína no nervo que não deixa liberar acetilcolina, ou um defeito na proteína do receptor da acetilcolina no músculo ou na enzima que retira o excesso desse neurotransmissor. A manifestação clínica geralmente ocorre desde o nascimento. Se sobreviver, a criança não chora, não suga, não deglute direito, fica cianótica quando mama e tem dificuldade para andar.

A adquirida ou auto-imune acomete geralmente mais as mulheres ao redor dos 20 anos, pessoas que até então eram absolutamente normais. Não se sabe por que, elas desenvolvem anticorpos contra o mecanismo da acetilcolina na região da fenda neuromuscular, que vão aderindo aos sítios receptores até que 98%, 99% se desestruturam e surgem os sintomas da doença: fraqueza nos braços e pernas, ptose palpebral (queda da pálpebra), diplopia (visão dupla), disfagia (dificuldade para mastigar e engolir), dispnéia (falta de ar), disfonia (voz anasalada).

6-Em geral, as mulheres manifestam a doença por volta dos 20 anos. E os homens?
Em geral, ao redor da sexta década de vida, os homens manifestam mais a doença do que as mulheres.

7- Há alguma explicação para isso?
Não há. Eventualmente a miastenia pode estar associada a outras doenças, por exemplo, doenças da tireoide como o hipotireoidismo e, nos homens, à ocorrência de alguns tumores.

8-Como se comportam os portadores de miastenia no dia a dia? Os sintomas se instalam gradativamente ou a instalação é abrupta?
As pessoas se referem à queda palpebral seguida tempos depois pela visão dupla e mais tarde pela fraqueza nos braços e pernas. Entretanto, alguns indivíduos podem desenvolver uma forma abrupta da doença, desencadeada por infecção. Uma gripe, por exemplo, pode acelerar o metabolismo, consumir acetilcolina e provocar uma crise miastênica com insuficiência respiratória que exige suporte na Unidade de Terapia Intensiva, entubaçãoorotraqueal, respirador e medicamentos especiais para controlá-la. O usual, porém, é a instalação ser insidiosa, sub-aguda. Não se pode esquecer de que a miastenia é uma doença crônica.

9-Além da história clínica, existe algum exame que ajuda a fazer o diagnóstico?
Existe um exame importantíssimo chamado eletroneuromiografia com estimulação repetitiva. Por meio de um eletrodo, estimula-se o nervo debaixo da clavícula com choques e faz-se a captação do estímulo elétrico no antebraço, por exemplo. Repete-se a operação duas, três, quatro, cinco vezes. Na pessoa normal, o resultado do quinto estímulo é igual ao do primeiro. No miastênico, a fadiga aparece rápido. O quinto choque é captado com 15%, 20%, 30%, 40% de diminuição.

Existem duas outras formas de fazer o diagnóstico. Uma é dosar a quantidade de anticorpos contra a acetilcolina. Infelizmente, no Brasil, não há muitos laboratórios capacitados para realizar esse exame. Por isso, colhe-se o material que é enviado para laboratórios no exterior, o que aumenta muito seu preço. Níveis altos do anticorpo são indicativos de que a doença está instalada.
A outra consiste em inibir a ação da acetilcolinesterase, uma enzima que destrói ou quebra a acetilcolina.

10-Há remédio com esse poder?
Há e é barato. Uma caixa custa por volta de R$8,00. A pessoa toma um comprimido e a ptose palpebral,  a visão dupla e a fala fanhosa melhoram bastante e rapidamente, mas o efeito é passageiro.

11-Como é o tratamento?
Com o decorrer das investigações sobre a doença, descobriu-se que, em alguns pacientes, havia relação entre a miastenia e o timo, uma glândula situada na área superior do tórax, próximo ao coração, cuja função é produzir anticorpos. Em teoria, a retirada dessa glândula faria com que as pessoas produzissem menos anticorpos capazes de alterar a contração muscular. Aquelas que tinham tumor no timo melhoraram da miastenia depois que fizeram a timectomia.

Atualmente, esse recurso terapêutico é menos empregado do que o uso do remédio que quebra a ação da acetilcolinesterase e favorece a permanência da acetilcolina na junção neuromuscular. Porém seu efeito é sintomático e passageiro. A pessoa toma o medicamento por via oral, às vezes por via endovenosa, os sintomas melhoram, mas algumas horas depois a fraqueza muscular reaparece.

12-Quantas vezes por dia deve-se tomar esse medicamento?
Depende do indivíduo. Duas, três, quatro, cinco, até oito tomadas por dia. A preocupação é evitar doses em excesso, porque a região precisa funcionar perfeitamente e excesso de acetilcolina pode provocar crise colinérgica, uma crise miastênica.

13-Isso quer dizer que o remédio em dose certa regula a função da acetilcolina, em dose exagerada, prejudica.
Sim. Outro recurso farmacológico para tratamento são os corticosteróides, administrados em dosagem maior ou menor de acordo com as necessidades do paciente. Se esse esquema não produzir resposta favorável, existem os imunossupressores, medicamentos mais potentes para diminuir a fabricação de anticorpos.
Nas situações críticas, pessoa com fraqueza muscular e respiratória precisa ser internada na UTI para a retirada dos anticorpos circulantes pela técnica da plasmaferese ou para introduzir um medicamento chamado imunoglobulina hiperimune. O problema é que essa droga custa R$200,00 o grama. Um indivíduo que pese 75kg precisa de 150g, portanto, de R$30.000,00 para sair da crise.

14-Como se pode reverter a queda das pálpebras?
Uma das formas para melhorar a ptose palpebral é utilizar a medicação de forma correta, seja a que inibe a enzima acetilcolinesterase (neostigmina ou piridostigmina) ou, eventualmente, um corticoide (prednisona) ou imunossupressor (azatripina). É preciso muito cuidado, porém, com a cirurgia corretiva da elevação das pálpebras. Se impedir a oclusão palpebral, haverá ressecamento da córnea, o que favorece a formação de úlceras.

15-Pessoa com miastenia pode dirigir veículos?
Pode, se não tiver visão dupla e fadigabilidade muscular. No  entanto, especialmente no período noturno, recomenda-se que não dirija.

1 Comentário

  1. Conceição Martins disse:

    Dr. Luciano, eu Conceição sou esposa de Juscelino o qual convive com essa doença Miastenia Gravis, há 05 anos ele tem 54 anos, com um quadro incluindo, hipertensão que já colocou 04 STENT’S no coração e tem diabetes mas controlada com medicamento são tantos medicamentos que nem sei lhe informar todos, na verdade gostaria de saber se a Miastenia agrava o Coração, pois ontem ele estava muito indisposto e com a pressão alterado mesmo tomando o medicamento, fomos ao Hospital e ele fez vários exames na emergência foi medicado e melhorou , gostaria que o Dr. me respondesse, aguardo, obrigada!

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