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Lua de sangue, por José Carlos Nunes Barreto

qua, 23 de abril de 2014 00:00

* José Carlos Nunes Barreto

“Este eclipse acontece quando a Lua é encoberta pela sombra da Terra. Conforme o meteorologista Leandro Puchalski, a coloração avermelhada ocorre por conta da refração e dispersão da luz do Sol na atmosfera terrestre, que desvia apenas alguns comprimentos de onda – É o mesmo fenômeno que acontece durante o nascer e o pôr do Sol”.

No começodo século 20, um triste canto de louvor, entoado por negros americanos durante a Páscoa, ainda podia ser ouvido, enquanto sua igreja ardia nas chamas da KuklusKan: “De joelhos  partamos nosso pão/De joelhos partamos nosso pão/Se de joelhos estou/Contemplando o nascer do Sol/Senhor tem pena de mim/De joelhos partamos nosso pão…” Era como se nada estivesse acontecendo, embora muito sangue e  dor crispassem o ar. De onde viria aquela força?

Século zero: Jesus é morto na Cruz e este evento divide a história em AC e DC. Os profetas que o precederam e os que o sucederam, foram mortos das mais cruéis formas possíveis: crucificados, apedrejados, serrados ao meio, queimados em fogueiras, decapitados. Muito sangue jorrou ao longo de milênios na história do cristianismo. E a força dos que morriam em paz, vinha de Jeová Jihé.

Século 21 no Brasil: cerca de 40 mil pessoas são assassinadas todo ano por motivos fúteis, além do latrocínio, e menos de 10% dos autores destes crimes são punidos, na maior nação “cristã” da América latina. Se de cada uma dessas mortes, sairem alguns litros de sangue, seriam centenas de caixas d’agua de mil litros cheias do conhecido líquido vermelho, que poderiam, num suposto protesto, ser  despejadas na areia de Copacabana no Rio, poluindo o mar e impedindo o banho. Talvez assim o mundo enxergasse tantas vidas perdidas por nada. Não pregavam o evangelho, não eram revolucionários em valores, simplesmente foram eliminadas como cidadãs, durante seu pacato cotidiano.

Somos o País mais violento do mundo, e os que morrem suplicam por suas vidas, não como os negros supliciados na América do séculos 19 e 20,por uma entidade com cara e  identidade, por isso foram resilientes até a chagada de Martin Luther King, mas por uma cultura de violência, horror e impunidade que  não tem cara, nem dono – não é de ninguém , nem do Estado, nem da sociedade, muito menos de Deus.

A estranha coincidência, desta Lua de sangue em plena Páscoa me intrigou muito –  ela é rara, e para mim trouxe uma mensagem da não superficialidade incomum nestes tempos; da superação das velhas lutas e dores: é como se Jesus mandasse seus anjos turgir de vermelho o branco brilhante da Lua, num celeste protesto, para nos alertar sobre a Nação que estamos construindo,  com tanta  lama de sangue sob nossos pés, igual a que Noé –um bom filme- presenciou – olhou na sola do  calçado para se certificar, e a partir daí construiu  o novo, na arca,  sobrevivendo ao dilúvio.

Finalizo sonhando assim, e esperando que este texto possa  ajudar leitores e leitoras a  refletir sobre esse  evento cristão,  chamado Páscoa.

* Professor doutor e Presidente da Academia de Letras de Uberlândia
debatef@debatef.com

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