Ficha Técnica – A incoerência habita no bolso de cada um
qui, 16 de março de 2017 05:46
Antônio Carlos Jobim pintou, bordou e cantou naquele verão de 1972. Trouxe a peroba de campo, traçou o nó da madeira, bradou o fundo do poço e clamou a luz da manhã no tombo da ribanceira. Entre uma analogia e outra, lançava a célebre canção para ser diluída em centenas de idiomas, vozes e classes sociais, como uma franquia a se multiplicar pelo mundo. Eis que 45 anos depois, as águas de março deságuam feito um rio de lágrimas naqueles que sentiram em cada poro a dor de um anúncio no jornal. Bruno é o novo goleiro do Boa Esporte Clube! É premeditado, é brutal. É ocultação de cadáver. São requintes de crueldade, justiça tardia e uma dose de impunidade. Uma homenagem indigesta e peculiar em pleno mês da mulher.

Menos de sete anos após crime brutal, Bruno é anunciado no Boa Esporte Clube
*Nelson Antoine/Estadão
Que fosse uma verdade absoluta no país da falta de bom senso e de interesses alheios. Quando se cumpre uma pena por algum delito cometido, nada mais justo que a reintegração na sociedade. Uma segunda chance para fazer valer a dignidade no mundo livre. Não é esse o caso. Não se cumpriu a pena, tampouco demonstrou arrependimento ao escolher as palavras. “Se tivesse prisão perpétua, não traria a vítima de volta”, disse certa feita o ex-jogador do Flamengo sobre a vida que supostamente ele mesmo tirou. A frieza, o controle e a serenidade nunca foram tão tenebrosos para um goleiro de futebol.
Bruno está ali, pois o permitiram. Pelo menos até o momento, amarra suas chuteiras dentro da lei. O que me espanta é a campanha do Boa Esporte sobre a antagônica contratação para esta temporada. Trata-se do atual campeão da terceira divisão nacional, atualmente na segunda divisão de Minas. Impor um companheiro de time, um jogador a quem se gritar o nome. E quanto às mulheres da torcida de Varginha? Seriam os diretores do clube fiéis discípulos de “MC Melody – Falem bem ou falem mal, mas falem de mim?”. E seus filhos, como explicarão? Nesse mundo de intolerância, até a segurança do goleiro num estádio estaria comprometida.
Em sua entrevista coletiva, Bruno afirmou – “as pessoas correm de mim pelo que aconteceu no passado”, e ainda lembrou o acidente de Edmundo, que vitimou três pessoas há 20 anos. Certamente, o arqueiro não esqueceu de como se virar com a bola. Foi preso quando negociava com o Milan, da Itália, no auge da carreira. O problema é que, assim como um dia alertou o escritor Millôr Fernandes, viver é desenhar sem borracha, e o jogador deve pagar por aquilo que cometeu para que um dia seja reintegrado da forma mais digna e humana.
Tricolor saudável, como o próprio se autointitulava, Millôr dizia que “o futebol é o ópio do povo e o narcotráfico da mídia”. Pior é transformar tudo isso em um romance distópico, com capítulos de piedade e representação da vida. Até então, quatro patrocinadores rescindiram o contrato com o time mineiro desde o anúncio da contratação. Os dirigentes asseguram que têm novos acordos de patrocínio a serem fechados. De fato, a incoerência habita no bolso de cada um.
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Excelente artigo!! Que bom seria se todos tivessem pelo menos um centésimo dessa percepção. Parabéns!!
Acredito que se insistirem em impor uma pessoa dessas a sociedade , que você com o dom que tem de colocar tão bem as palavras pode começar um boicote aos torcedores para que o estádio onde essa pessoa for jogar não tenha nenhum torcedor para assistir , suas palavras descreveram perfeitamente a indignação de um povo. Nós….parabéns
Muito bem comentado.
Parabéns,seu ponto de vista reflete o momento agonizante do Pais em todos os seus aspectos.
Mais triste é saber que muitos Brunos, com dinheiro pra pagar bons advogados, são soltos após cumprirem tão pouco tempo de pena. Mesmo em casos de assassinato, um crime irremediável e cruel. Enquanto isso nossos legisladores não legislam, a violência aumenta e a população fica cada vez mais descrente da Justiça. Imaginem se nos obrigam a votar em lista fechada, então. Aí é que será ainda mais difícil cobrar.as mudanças que o país precisa.