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Entre a tesoura e a prosa

qui, 3 de julho de 2014 00:02

Abertura Histórias de Uberlândia
Quem já teve oportunidade de entrar no Salão do Nelson, ali na esquina das ruas Olegário Maciel e Cesário Alvim, pôde escutar um pouco da história de uma Uberlândia bem diferente de hoje. Com mais de 90 anos, egresso da Bahia, desembarcou em Uberlândia, com dinheiro emprestado, em 1943. Entre uma tesourada e outra, o “tio” Nelson relembra fatos que marcaram uma pacata cidade da metade do século vinte, povoada, mais ou menos, por cinquenta mil almas.

Tio Nelson em atividade. Foto: https://pt.foursquare.com/v/sal%C3%A3o-do-nelson/4ed0faa661af476c0938d1a0

Tio Nelson em atividade. Foto: https://pt.foursquare.com/v/sal%C3%A3o-do-nelson/4ed0faa661af476c0938d1a0

Nelson conta que os prédios mais altos, quando chegou, eram o Hotel Zardo, atual Magazine Luiza, da praça Tubal Vilela e o Hotel Colombo, atual loja Riachuelo, do outro lado da mesma praça, ambos de três andares. Onde hoje está o edifício Tubal Vilela existia um posto de gasolina. Foi onde tudo começou, diz ele. Depois que nomearam Tubal prefeito, ele fez o prédio. Foi o primeiro edifício de Uberlândia.

O dono do primeiro salão com ar condicionado da cidade já atendeu de gente comum a fazendeiros poderosos e políticos influentes. E enquanto ele conta as histórias de Uberlândia, vão chegando outros fregueses. O movimento no Salão do Nelson não para. Ele ajeita o cliente na cadeira e começa a cortar seu cabelo, flutuando em um semicírculo em volta da cadeira. Os passos miúdos dão a impressão de que os pés escorregam e não saem do chão. Ele vai e volta enquanto as mãos habilidosas vão mudando o visual do cliente conforme os fios vão caindo ao chão.

Cliente acomodado, basta pedir que começa um dedo de prosa sobre os acontecimentos marcantes presenciados por esse Uberlandino, que fazem parte da história da cidade.
– Diz aí tio Nelson, sobre o quebra-quebra de 1959. E o tio Nelson começa a narrativa, com a firmeza de testemunha ocular. Algumas vezes ele é ajudado por um ou outro freguês antigo, que aguarda sua vez ou, simplesmente, está de visita para um cafezinho.

– Tudo começou com o aumento do preço do ingresso do cinema que passou de Cr$18,00 para Cr$30,00, começa o Nelson. Os estudantes, em protesto, fizeram fila-boba na entrada das salas. Para impedir a venda de ingressos, eles passavam pelo caixa e voltavam novamente para a fila, sucessivamente. Depois disso, quebraram os cinemas. O pior viria depois. Os moradores da cidade que estavam insatisfeitos com a alta do custo de vida aderiram à manifestação e começou uma depredação. Foram para as casas atacadistas e virou uma baderna. No Cine Regente, arrancaram os móveis, puseram na rua e colocaram fogo. Na passarela em cima da linha de ferro, perto de onde hoje está o Terminal Central, deram uns tiros e uma bala acertou uma mulher que estava na passarela com um menino. A mulher morreu. O menino, não fiquei sabendo. No mercado velho, a polícia já estava esperando e conseguiu impedir a quebradeira. Arrombaram o comércio do Elias Simão, do Messias Pedreiro e da Casa Caparelli. Jogaram arroz e feijão na rua. Teve um camarada que foi com uma caminhonete, encheu de arroz e levou pra casa. A polícia foi lá e recolheu tudo. Vieram mais policiais de Belo Horizonte e das cidades vizinhas. Dizem que, no conflito, quatro pessoas morreram, doze ficaram feridas e umas duzentas foram presas. Vários meses depois, o clima de repressão ainda tomava conta da cidade. Havia toque de recolher às dez da noite. Caminhões com soldados eram comuns nas ruas. Os soldados revistavam as casas à procura de mercadorias saqueadas.

– E aquela sobre o bar da Mineira, tio Nelson? Pede outro freguês.

Ele ri e recomeça.

– O Bar da Mineira ficava em frente ao Cine Regente. Era onde a gente ia passear, depois de assistir um filme, para tomar sorvete. As moças tomavam chuvisco, que é sorvete com guaraná. Um dia, um homem deu uns tiros dentro do cinema, no meio da sessão. O povo todo saiu correndo. Tinha gente pulando a janela, descendo pelo poste que ficava em frente à janela. E a gente assistindo tudo lá do bar. Era gente correndo para todo lado.

O Bar da Mineira ficava em um prédio ao lado de onde hoje está edifício Central e no Cine Regente, em frente, funciona hoje uma loja de eletrodomésticos.

E a gente perde noção do tempo, escutando.

Avenida Afonso Pena, esquina de Olegário Maciel. À esquerda o prédio onde funcionou o Hotel Zardo; à direita, o posto de gasolina de Tubal Vilela. Foto: Divulgação

Avenida Afonso Pena, esquina de Olegário Maciel. À esquerda o prédio onde funcionou o Hotel Zardo; à direita, o posto de gasolina de Tubal Vilela. Foto: Divulgação

Praça da República, atual Tubal Vilela. Em destaque, na esquina, o hotel Colombo. Foto: Divulgação

Praça da República, atual Tubal Vilela. Em destaque, na esquina, o hotel Colombo. Foto: Divulgação

Avenida Afonso Pena, início da década de 1950. Foto: Divulgação

Avenida Afonso Pena, início da década de 1950. Foto: Divulgação

Mercado Municipal de Uberlândia, inaugurado em 1948. Foto: Divulgação

Mercado Municipal de Uberlândia, inaugurado em 1948. Foto: Divulgação

Avenida Afonso Pena esquina com rua Santos Dumont. A poucos metros dessa esquina, descendo pela Afonso Pena em direção à rua Goiás, ficavam, na parte de cima, o Bar da Mineira e, na parte de baixo, no telhado mais destacado, o Cine Regente. Foto: Divulgação

Avenida Afonso Pena esquina com rua Santos Dumont. A poucos metros dessa esquina, descendo pela Afonso Pena em direção à rua Goiás, ficavam, na parte de cima, o Bar da Mineira e, na parte de baixo, no telhado mais destacado, o Cine Regente. Foto: Divulgação

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Coimbra Júnior.
(*) Administrador de Empresas, especializado em Finanças. Trabalha atualmente na Via Travel Turismo. Criou a página História de Uberlândia no Facebook.

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