E nasceu um hospital
qua, 24 de setembro de 2014 13:14
Era um dia qualquer do ano da Graça de Nosso Senhor de 1958. Dr. Bolivar chega para trabalhar em seu Aero Willis azul celeste 1956 com sua estilosa capota de vinil e traseira rabo de peixe brancas. Os detalhes cromados do automóvel refletem o sol da manhã que desponta logo acima do prédio do hospital. Ele estaciona logo após a entrada de emergência de ambulâncias, em frente a um dos portões de entrada de pedestre.
Lá dentro, uma senhora de corpo cheio, com a pele morena contrastando com seu vestido branco impecável e a touca na cabeça, rompe o corredor a passos largos. Todos dão passagem com respeito. Ela chega a um dos quartos de internação.
– Bom dia, meu filho; diz para o paciente, deitado logo à frente. – Seu prato voltou para a cozinha cheio. Você não comeu nada. Posso fazer alguma coisa diferente para você?
Mãe Preta, como era carinhosamente chamada, se considerava mãe de todos os pacientes que entravam no hospital. Cozinheira de mão cheia fazia de tudo para agradá-los e não se conformava com pratos que voltavam para a cozinha cheios.
Na recepção, Dona Leonora, senhora franzina, de fala mansa, de uma simplicidade e educação ímpar, encantava a todos que procuravam o hospital. Lembrava-se do nome de cada pessoa que passava por sua mesa, o que fazia seu atendimento altamente intimista e aconchegante, praticamente começando o tratamento ali mesmo.
Passando pela cozinha, lá perto da porta dos fundos, entre um palrar e outro, era possível distinguir o som quase humano que saia do Louro, papagaio da Mãe Preta; – Nasceu, é menina! – Nasceu, é menino! Afinal, seu poleiro ficava debaixo da janela da sala de parto e escutava essas frases o dia inteiro.
Voltando um pouco no tempo, chegamos ao ano de 1953, época em que o anestesiologista Dr. Abdalla Miguel chegou a Uberlândia. Junto com três colegas de profissão, fundou a Policlínica Uberlândia, na casa que hoje abriga a Casa da Cultura, na esquina da praça Coronel Carneiro. Foi deles a primeira ambulância que atendeu a cidade.
Em 1956, em seu pequeno hospital, localizado na rua Santos Dumont, o Dr. Duarte Ulhôa Portilho recebeu um paciente com severas queimaduras, trazido pelo empresário Sr. Bastos. A perseverança do médico conseguiu salvar o paciente. Mas o fato mostrou que a cidade não estava preparada para casos de emergência graves como aquele. O Sr. Bastos, preocupado com a situação propôs a criação de um fundo para captar recursos junto ao empresariado para construção de um hospital realmente digno para a cidade. Assim como o hospital do Dr. Duarte, as outras instalações hospitalares da cidade eram em residências adaptadas.
O dinheiro foi arrecadado e aliaram-se ao Dr. Duarte os Drs. Abdalla e Bolivar Alves Ferreira. Em uma reunião, pegaram o mapa da cidade e traçaram um X para achar o centro geográfico. O ponto caiu na avenida Getúlio Vargas, esquina com avenida Tenente Virmondes, em cima de um terreno de plantação de hortaliças. O grande problema do local era a falta de calçamento na avenida, água, esgoto e energia elétrica. Tudo isso chegava apenas até à avenida Cipriano Del Fávero. O Dr. Abdalla procurou a então prefeito Dr. Afrânio Rodrigues da Cunha e conseguiu a extensão dos melhoramentos urbanos. O terreno foi comprado e começou a construção do prédio que abrigaria o primeiro hospital particular planejado da cidade de Uberlândia.
Em um sábado ensolarado de verão, dia 11 de janeiro do ano de 1958, foi inaugurado o Hospital Santa Catarina, presente até hoje na vida dos Uberlandenses. E o Dr. Abdalla, no alto de seus respeitáveis 89 anos, continua à frente do setor de esterilização do hospital.
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Coimbra Júnior.
(*) Administrador de Empresas, especializado em Finanças. Trabalha atualmente na Via Travel Turismo. Criou a página História de Uberlândia no Facebook.
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Parabéns, sr. Coimbra, por resgatar essa história tão bonita de idealismo, garra e luta de três jovens pra construirem um hospital que foi referência de ética, profissionalismo, competência em toda a região. Sou filha de Duarte Portilho e eu, minhas irmãs e minha mãe vivemos toda essa história, tão bem lembrada pelo senhor. Continue assim, resgatando os fatos importantes de nossa cidade.
Já estamos em 2023… o hospital, desde a redação desta reportagem, infelizmente cessou suas atividades por algum tempo. Mas o velho guerreiro voltou a ativa, ajudou a salvar muitas vidas durante a pandemia do covid. Sou técnico no que agora é chamado de Anexo do Hospital municipal de Uberlândia. Não consigo deixar de sentir toda a história que emana destas paredes, cada quarto, cada corredor.