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Direito e Justiça

qui, 1 de março de 2018 05:02

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A língua no mercado de trabalho

 

(Reiterando a Coluna Direito e Justiça de 31.10.2003)

 

  • Publicado na Revista Evidência, edição 87, dez/2017 janeiro/2018, página 30.

 

Grande parte das empresas brasileiras enfatiza que, na corrida por uma vaga no mercado de trabalho, alguns quesitos são essenciais para a contratação do candidato. Dentre eles, destacam-se conhecimentos na área de informática e o domínio da língua inglesa. Aqueles que não possuem esses conhecimentos são classificados de “analfabetos em informática” e “analfabetos em língua inglesa”. Subentende-se que o candidato possua o domínio da própria língua, o que, infelizmente, não é o que constatamos.

 

Os erros crassos que se cometem em informativos, ofícios e mesmo atendimentos em balcões e em ligações telefônicas são de envergonhar qualquer brasileiro que possui o mínimo respeito pela sua língua. Frases como “eu vou estar agendando para a senhora …” soam como uma forte pancada em nossos ouvidos, tal como o emprego de adjuntos adverbiais que são invariáveis e muitas pessoas teimam em empregá-los sob formas variáveis, como a tão usada frase “menas coisas” em lugar de “menos”, e por aí vai. E não tenho dúvida de que esse descaso com a nossa língua seja proporcional à importância que se dá à língua estrangeira, principalmente à inglesa; quanto mais é destacada a importância de se dominar o inglês, menos constatamos a preocupação de se dominar a língua pátria. Infelizmente, trata-se de uma inversão de valores.

 

Muitos se sentem constrangidos em admitir que não sabem o significado de uma palavra em inglês, tão constantemente usada em letreiros comerciais, porém não ficam nem um pouco corados quando “estupram” a própria língua. Muito pelo contrário, debocham de quem ousa corrigi-los, demonstrando com isso que, ao empregar o uso correto da língua, o sujeito se torna piegas e que, hoje em dia, as pessoas que se preocupam em usar corretamente a língua portuguesa são exceções, pois, normalmente, encontramos mais pessoas que pisam a língua do que aquelas que a enaltecem.

Prova disso encontramos no livro de Lago Brurnett, “A Língua Envergonhada”, no trecho: “Coramos de pudor, criando situações embaraçosas para nós próprios, toda vez que não conseguimos atinar, de público, com o significado de uma expressão anglo-saxônica, e nos mortificamos de despeito por não conseguir escrever com sotaque nova-iorquino uma ode olímpica à alienação de Ipanema. Não por veneração ao reverenciado idioma de Shakespeare, mas por mera subserviência ao sentimento mercantil do multinacionalismo linguístico”.

 

Nada é mais lastimável para uma empresa conceituada do que a falta de respeito com a língua, cometida por dirigentes e funcionários. Isso sem contar a confusão que pode advir de uma frase mal construída. Recentemente, ao efetuar um depósito em um banco, constatei a seguinte frase num envelope: “Limite de depósito por dia – R$ 1.000,00”. Ora, pelo que entendo de português, para mim ficou explícito que eu não poderia efetuar mais nenhum depósito naquele dia, ainda que fosse em outro envelope. No entanto, conforme a funcionária, eu poderia sim, desde que fosse em outro envelope. Foi então que argumentei que a frase correta deveria ser: “Limite de depósito por envelope –  R$ 1.000,00”.

 

Os discursos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganharam mais respeito e credibilidade depois que o Presidente se esmerou no aprendizado da língua. Ser brasileiro não se resume apenas em torcer pelo Brasil em todas as modalidades esportivas, mas, sobretudo, ter orgulho de dominar e amar a própria língua.

 

FONTE:         ESTADO DE MINAS, Edição de 17.10.2003, Sexta-feira, pág. 9. Trecho do Artigo “A língua no mercado de trabalho” de autoria da Escritora FÁTIMA SOARES RODRIGUES.

 

Observações:

 

1ª.      A articulista traduz-nos a mais pura e cristalina das verdades, porque de fato não damos o real valor à nossa sonora, embora difícil, Língua Portuguesa, a essa “última flor do Lácio, inculta e bela”, no sábio dizer do nosso grande poeta parnasiano, Olavo Bilac.

 

2ª.      Corta-me o coração, quando me vejo “obrigado” a ouvir, calado, pessoas de bom nível social (pois “bom nível cultural” é coisa muito diferente) que massacram, sem dó e nem piedade, o nosso (talvez) maior patrimônio nacional: a “nossa” língua.

 

Pessoas que dizem, sem nem mesmo corar:

 

– “Sastifeita”, “bunginganga”, “mendingo”, “perca”, “questã”, “ouvo”, “discurssão”, ao invés de satisfeita, bugiganga, mendigo, perda, questão, ouço e discussão, respectivamente (e que me desculpe o “senhor computador”, pois não lhe mandei “adicionar” (ao seu dicionário interno) essas grafias toscas e erradas, que estão, todas elas e felizmente, sublinhadas, ou carimbadas, de vermelho). E, que assim fiquem!

 

3ª.      Doutra parte e graças ao descaso para com a nossa língua, sem querer discutir etnologia, palavras erradas, ou menos difíceis (em detrimento da versão advinda do Latim Clássico) tornaram-se de uso frequente e incorporaram-se definitivamente ao nosso léxico, passando a constar dos “grandes dicionários” (por vezes até de forma temerária, duvidosa e/ou precipitada).

 

Eis alguns exemplos famigerados:

 

– Televisionar, posicionamento, não presença, amiguíssimo, antiguíssimo, ao invés de televisar, tomar ou assumir posição, ausência, amicíssimo e antiquíssimo, respectivamente.

 

E, nos dias atuais, 2.017?     – (1)

 

Ai, meu Deus do céu! A situação persiste, até piorou muito. Não se pode escutar um programa de rádio sem ouvir tranqueiras e atentados contra a dilacerada e desprestigiada Língua Portuguesa:

 

– “Os povo”, os “home”, “os rico”, “os pobre”, “se eu manter”, “se eu fazer”, “animal equino”, “animal bovino” ao invés de os povos, os homens, os ricos, os pobres, se eu mantiver (futuro do subjuntivo), se eu fizer (futuro do subjuntivo), equino e bovino (pois são todos animais), respectivamente.

 

Arrebentar por culpa ou por dolo a língua pátria também é corrupção: corrupção cívica, social, profissional, linguística. Até mesmo na linguagem familiar e num círculo de amigos exige-se um mínimo de respeito às regras usuais e corriqueiras da gramática.

 

Ah, mas estou mesmo a falar para ouvidos moucos…!!!

1 – Já estamos em 2.018.

Rogério Fernal .`.

 

            *Rogério Fernal

Juiz de Direito aposentado. Ex-Professor Universitário de Direito, Advogado militante, Mestre Maçom, conferencista e articulista.

e-mail: fernalrogeriofernal@gmail.com

 

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