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Coluna: Furando a Bolha (11/110

sáb, 11 de novembro de 2023 13:25

FURANDO A BOLHA

 

Idolatria: Um Veneno Perigoso

 

Em tempos de superficialização do “eu” e da frenética dinâmica das redes sociais na busca por identidade, é notório como os seres humanos, de modo geral, são facilmente seduzidos por pseudogurus, mitos, seitas ou médiuns.

Diariamente, vemos nas notícias casos de pastores que estupraram, roubaram e enganaram fiéis, enquanto nas redes sociais se apresentavam como moralistas e doutrinadores. Um exemplo disso é o pastor Victor Bonato, de 27 anos, que também desempenhava o papel de influenciador. Atualmente, ele está na prisão enfrentando a acusação de estuprar três fiéis. Em um vídeo de confissão, ele atribuiu seus atos ao diabo, sempre o bode expiatório por todos os nossos males e escolhas.

Padres ou espíritas que pregam uma coisa e praticam outra, médiuns como João de Deus, que sempre foi um vigarista, era adorado e idolatrado por fanáticos em todo o mundo, inclusive realizando sessões com personalidades nacionais e internacionais, como Xuxa, Oprah Winfrey e Luís Roberto Barroso, presidente do STF. Acreditava-se que ele possuía o dom da cura e da salvação, quando, na verdade, usava sua crueldade e habilidades manipulativas para satisfazer seus desejos lascivos. Quantas centenas de almas ele abusou sob o pretexto da mediunidade, quando na verdade era apenas um charlatão canalha.

Por que estou dizendo tudo isso? Ao longo da história, a idolatria sempre foi uma característica da sociedade. O ser humano tem a necessidade de acreditar em algo, sendo programado para se apegar a qualquer coisa que lhe ofereça um mínimo de suporte emocional e sentido existencial. Alguns se tornam fanáticos pelo futebol, outros pelo cantor favorito, político de estimação ou líder messiânico. No entanto, isso é um equívoco.

Aqueles que transferem sua identidade para outra pessoa ou coisa, inevitavelmente, sofrem uma dissociação do ego, perdendo sua própria identidade e entrando em um caminho perigoso. Eles facilmente renunciam às suas crenças e passam a operar em um sistema que pode ser prejudicial e até tóxico, como em muitos casos.

Na história, vemos diversos exemplos de seitas em que líderes com crenças distorcidas manipularam pessoas, resultando em sistemas catastróficos. Um dos casos mais notórios talvez seja o de Jim Jones (1931-1978), que levou cerca de quase mil fiéis a cometerem suicídio coletivo ao induzi-las a tomar cianeto, prometendo-lhes salvação eterna.

Podemos simplificar e dizer que essas 900 eram ingênuas ou ignorantes, talvez, mas a situação é muito mais complexa do que isso. O sentimento de pertencimento é fundamental nas relações humanas e pode ser benéfico em termos psicológicos. No entanto, em algumas situações, pode ser extremamente prejudicial e danoso, como nos exemplos citados.

No seu livro histórico e aclamado, “Eichmann em Jerusalém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal”, Hannah Arendt (1906-1935) aborda o conceito da banalidade do mal, mostrando como cidadãos comuns, funcionários públicos como Eichmann, pacíficos, se tornaram cúmplices das atrocidades do Holocausto. São pessoas do dia a dia, não monstros, ditadores ou lunáticos, mas gente que cumpria seu papel em nome de um grupo em um sistema organizado, mesmo que isso envolvesse a execução de milhões em campos de concentração. Inconscientemente, elas dissociavam a humanidade dessas pessoas, tratando-as como ratos ou animais, sem considerar as consequências.

É interessante observar que isso ocorre novamente na atual guerra no Oriente Médio, onde terroristas de um lado atacam o Estado de Israel, matando inocentes e fazendo sequestros, enquanto o Estado de Israel responde matando crianças e jovens palestinos, argumentando que são todos iguais aos terroristas. É uma situação lamentável que se repete.

Uma explicação plausível para tantos médicos defenderem a cloroquina, mesmo após diversas instituições ao redor do mundo, como a Universidade de Oxford (Reino Unido), a Universidade de Columbia (Estados Unidos) e até mesmo a Universidade de São Paulo (USP), realizarem estudos sérios, randomizados e verificados que demonstraram a ineficácia do medicamento no tratamento da COVID-19, é esse sentimento de crença formada em um grupo, muitas vezes ideológico, que nega a ciência em favor de suas próprias convicções.

Muitos argumentavam assim: “Mas o meu médico é um pós-doutor em dermatologia e ele recomenda a cloroquina, então eu vou tomar”. No entanto, a ciência não se baseia no conhecimento de uma única pessoa ou em um único sistema de crenças. Ela é validada por extensas pesquisas e estudos conduzidos com o método científico. No início da pandemia, era compreensível a busca por medicamentos, contudo, mesmo após todas as evidências da ineficácia da cloroquina, muitos ainda insistiam nessa tese ridícula, o que custou a vida de milhares de pacientes.

Sendo assim, caro leitor, minha intenção neste texto é despertar sua consciência para que busque pensar de forma autônoma, sem entregar sua vida ou sua verdade nas mãos de uma única pessoa ou grupo. Eu entendo que isso pode ser um desafio na era da massificação, do TikTok e dos influenciadores que exercem grande influência sobre mentes vulneráveis. No entanto, sei que existem leitores aqui e que podem estar seguindo esse caminho. Com reflexão e sabedoria, ainda é possível mudar.

Quando alguém tentar colocá-lo em uma caixa, isolá-lo do mundo, culpar excessivamente por coisas que você fez ou deixou de fazer, usando uma linguagem imperativa e manipuladora, abra os olhos. Recentemente, um pastor prometeu um octilhão de reais (isso seria 100 trilhões de vezes o PIB do Brasil) para quem investisse em sua pirâmide financeira, e milhares acreditaram e caíram nesse golpe. Poderíamos dizer que essas pessoas eram ingênuas, idiotas ou manipuláveis, talvez, mas como mencionei antes, a crença pode ser mais poderosa do que qualquer argumento baseado na ciência e na episteme.

Cabe a cada um buscar a iluminação e conseguir pensar de forma autônoma, respeitando os princípios éticos e científicos. Fazendo assim, a chance de cair em alguma enrascada diminuirá consideravelmente. Por favor, não invista suas economias de uma vida achando que ficará octilionário, é até difícil escrever.

 

 

 

 

 

Leandro Alves de Melo, bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia, advogado, colunista, é proprietário dos escritórios Alves & Melo Advocacia MG e GO, pós-graduado em gestão de pessoas INESP/SP (2018-2020), especialista em Direito Previdenciário pelo IEPREV/BH (2020 a 2022), pós-graduado em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público de Brasília (2019-2022), vencedor do Top of Mind 2023: advogado previdenciário.

 

 

6 Comentários

  1. Tânia Maria disse:

    Concordo com tudo que falou. Em pleno 2023 vivemos tempos de retrocesso em muitas questões. As pessoas estão delegando a outros sua vida, sua escolha, seu discernimento. É mais “fácil” não se responsabilizar por sua própria vida. O fanatismo cega e emburrece, a pessoa passa a viver em um mundo paralelo, exemplo disso são os bolsonarentos que chegaram a cantar o hino nacional para um pneu, colocaram celulares na cabeça esperando um contato extraterrestre para salvar o Brasil.🫣🫣 Até hoje existem pessoas acreditando em coisas tão absurdas que é difícil até de falar. Realmente precisamos refletir bastante para encontrar formas de sairmos dessa idade média.

  2. Tânia Maria disse:

    Concordo com tudo que falou. Em pleno 2023 vivemos tempos de retrocesso em muitas questões. As pessoas estão delegando a outros sua vida, sua escolha, seu discernimento. É mais “fácil” não se responsabilizar por sua própria vida. O fanatismo cega e emburrece, a pessoa passa a viver em um mundo paralelo, exemplo disso são os bolsonarentos que chegaram a cantar o hino nacional para um pneu, colocaram celulares na cabeça esperando um contato extraterrestre para salvar o Brasil.🫣🫣 Até hoje existem pessoas acreditando em coisas tão absurdas que é difícil até de falar. Realmente precisamos refletir bastante para encontrar formas de sairmos dessa idade média.

  3. Amanda disse:

    Excelente reflexão, Dr Leandro. Um tema muito oportuno, o fanatismo sempre foi usado, e hoje não é diferente; um texto que deve ser lido e relido por todos que entregam a sua capacidade de pensar para o outro.

  4. Rosmar de Souza disse:

    Ótima reflexão.

  5. Joaquim Barbosa Rodrigues Militão disse:

    Boa a análise. Infelizmente a desinformação tem dominado os meios de comunicação, gerando violência e injustiça.

  6. Eduardo Eustáquio de Melo disse:

    Parabéns, texto muito bem escrito,e de fácil compreensão.

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