Category Debaixo do Pé de Limão

Vamos fazer um churrasco?, por Giovana Silveira

ABERTURA DEBAIXO DO PE DE LIMAO
Giovana Silveira

Domingo. Dia marcado no calendário à caneta vermelho sangue, para ser o dia do descanso. Fazer nada, pensar em nada, preocupar-se com nada, comer nada. Ops! Espera aí, comer nada? Aí já e demais. O que fazer? Pergunta o marido carinhoso à esposa, logo no café da manhã. Correndo com o café dos filhos, ela responde o óbvio: o almoço. Mas, heroicamente o marido, comovido com o descabelado agito da esposa, propõe um churrasco.

Dia mais esperado. Descansar, deixar o almoço por conta do marido, poder cortar as unhas que já estão tortas e quebradas e com quilômetros de cutículas, dar uma hidratada no cabelo que mais parece arame farpado, cuidar das flores do jardim que estão mais para cactos do que para rosas. UF!

Mas antes de toda essa epopeia, o marido pede que ela vá ao mercado fazer as compras. Compras feitas, o gentil marido, salvador da decência e do objetivo primordial daquele dia, o descanso da esposa, sugere um arroz branquinho, preparado naquela panela elétrica comprada na internet e também a salada verde que evita sua azia matinal, após uma tarde de churrasco. Só mais esse ato de bondade e carinho da esposa preocupada com o bem estar do marido. E sem folgar muito, a farofa de banana, bacon e pedaços de carne desfiados e o pudim de nozes que só ela sabe fazer. Nem sua mãe é capaz de alcançar tão supremo sabor.

Com cara de piedade, pede à mulher que também tempere a carne daquele modo gaúcho original, que ela aprendeu com seu pai durante as cavalgadas que fazia pelo sul afora. Comovida com o apreço que o marido dedica ao sogro, a mulher tempera a carne, nas travessas de louça, presentes das tias.

Enquanto isso, o marido está cuidadosamente verificando como está o fogo, claro que deitado na rede que compraram no Maranhão. Na mão, a cerveja gelada. Já que está deitado, dá uma olhada na churrasqueira, senão a carne passa e lá vai a esposa cuidar do ponto da carne e arrumar a mesa, talheres, pratos e guardanapos, do jeito que só ela sabe fazer.

Cheiro bom de carne assada, o marido levanta de seu merecido repouso. Hoje, o almoço é dele. Senta-se à mesa e come, como se aquele dia fosse a véspera do fim do mundo. Cheio até a tampa, vai para cama, para dar o tempo de digestão ao seu estômago, pois aprendeu com sua mãe que comer e fazer esforço pode causar indigestão.
A cozinha suja fica pra esposa, pois que ele já fez o almoço. Após, ainda um banho nas crianças, soninho é melhor de banho tomado.
Cansada e sem mais forças, a mulher deita ao lado do marido, que todo contente e com sentimento de missão cumprida, lhe pergunta se ela apreciou não ter que fazer almoço naquele dia. Diante do ar aborrecido da mulher, o marido conclui que as mulheres nunca estão satisfeitas.

Debaixo do pé de limão, por Alzira Riquieri

ABERTURA DEBAIXO DO PE DE LIMAO
Alzira Riquieri

Toda casa tinha um pé de limão. Não desses limões chiques, como o galeguinho e o taiti, mas limão china, como os mineiros dessas bandas conhecem, ou rosa dos paulistas ou capeta, como se fala em Belzonte.

Limão servia pra tudo, não só pra suco ou salada. Além de coalhar leite e temperar carne, limpava tachos e macuco de pé de criança. Aliás, o suco misturado com um pouquinho de bicarbonato, virava guaraná do bom.

Lá na casa da minha mãe também havia um e um banco, onde tudo podia acontecer. De quentar sol da manhã ou pegar a fresca de tarde, desde dormir ou conversar, rezar ou receber visitas nos dias de calor.

Alguns rituais eram feitos à sobra do pé de limão. Fazer crochê, remendar roupas ou tirar piolho dos pequenos, que merece uma nota de rodapé. De manhã, se passava uma pasta de fubá como suco de limão na cabeça do menino, que ia pro sol. Dava uma coceira, pois os piolhos esquentando ficavam bravos. Lavava-se a cabeça e o infestado e a vovó, com um pente fino, tirava os piolhos meio tontos, lá debaixo do pé de limão. O ritual se repetia por uns dias, até que não saísse nenhum filhote do parasita. E a vida ia passando, lenta e cheia de causos, assistidos silenciosamente, pelo pé de limão, que toda casa tinha.

Saint-Exupéry disse que o significado das coisas não está nas coisas em si, mas sim em nossa atitude com relação a elas. Assim é a vida. Às pequenas realidades, podem ser dados significados dependendo do olhar de cada um. Alguns dão significados demais a coisas sem importância ou que não podem mudar e deixam passar esquecidas, as pequenas que colorem e têm sentido na existência.

Pra contar as cotidianidades da vida, vários alunos do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia se reuniram. O grupo, formado na maioria por aqueles vindos das escolas públicas, com realidades diversas, mas igualmente ricas, sentam-se debaixo do pé de limão de toda casa, e lançam o olhar de simplicidade e leveza, aqui no precioso espaço dos amigos Darli e Zé Vitor. Contam causos e casos de festas, lágrimas, ritmos e risos. Tudo pode ser reinterpretado e virar crônica. Fernando Sabino com o seu “Homem nu” sabia disso.

Além dos causos, mostram pra toda a sociedade não só que jovem gosta de ler e escrever, mas principalmente, que os que vêm das escolas públicas, lêem e escrevem tão bem como os demais e se fazem merecedores do privilégio de estudar em uma boa universidade.

Simplesmente fatos e estórias anônimas, mas não destituídas de belezas e conteúdos, sempre debaixo de um pé de limão.