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A História de um Pai

qui, 14 de agosto de 2014 00:03

Abertura Histórias de Uberlândia
Zé Coimbra nasceu em Capelinha do Chumbo, em uma enluarada noite de quinta-feira dia 05 do mês de outubro, do Ano da Graça de Nosso Senhor de 1933. Era o filho do meio, de três, que o casal, Antonio e Auzônia, legaram ao planeta Terra.

Aos quatro anos de idade, começou a trabalhar ajudando seu pai a montar e vender colchões de palha. Aos sete, com a família já migrada para Patos de Minas, depois de aprender a ler, largou a escola e começou a trabalhar em uma oficina mecânica, onde aprendeu sua profissão. Nessa mesma época, conheceu algo que o acompanharia o resto da vida, o cigarro. Autodidata, tornou-se um lateiro de primeira e pintor primoroso. Fazia mágica desamassando com perfeição os carros e misturando cores para pintá-los depois, deixando-os como novos.

Quando terminou a adolescência, mudou-se sozinho para Uberlândia. Hospedou-se na pensão Guanabara e logo arrumou emprego em uma oficina mecânica, no centro da cidade. Durante o famoso vaivém que acontecia na praça Tubal Vilela, geralmente depois da sessão das seis no Cine Theatro Uberlândia, conquistou o coração de uma professora de dezenove anos, de nome Sônia. Casaram, mudaram para Coromandel e receberam de Deus quatro filhos.

Zé era um desenhista talentoso que, aos poucos, perdeu seu dom, enquanto seus dedos engrossavam e perdiam a mobilidade, devido a seu trabalho com os martelos.  Sua paixão era a pescaria. Enquanto morava em Coromandel, pescava todo final de semana, no rio Paranaíba. Até jacaré trazia. O maior peixe que já fisgou, tão grande que não cabia na carroceria da camionete, lutou bravamente durante horas e conseguiu arrebentar a linha, fugindo em seguida. Ele tinha até testemunha disso.

Certa vez, voltando de uma das pescarias, trouxe dois filhotes de capivara. Um morreu na noite seguinte, vítima de gatos. O outro fez companhia para a família durante quase dois anos. Era o bichinho de estimação dos filhos. Certo dia, desapareceu por um buraco da cerca no quintal e nunca mais foi visto.

Zé nunca se preocupou com o futuro. Trabalhava para o sustento do dia. Não tinha vaidades nem orgulhos fúteis. Só fazia questão de estar sempre barbeado e o cabelo, que ele mesmo cortava, sempre impecável, penteado para trás e acomodado. Substituiu o cinto da calça por um cordão amarrado. Não gostava de sapatos. Estava sempre com sua sandália franciscana ou chinelo. Uma vez convidaram-no para participar da maçonaria. Ele não aceitou porque tinha que usar terno.

De volta para Uberlândia na década de 1980, onde terminou de criar seus filhos, trabalhou na oficina do Gerson, em um galpão na praça Rui barbosa. Ainda pintava, apesar dos pulmões reclamarem. Fazia, com cuidado e destreza de artesão, as faixas decorativas de um Ford Landau como se estivesse pintando um quadro.

Nos últimos anos de vida, sua rotina era ir, de bicicleta, para a última oficina onde trabalhou, na avenida Rio Branco, esquina com rua Tenente Virmondes. Em casa, relaxava com a televisão, o café e o cigarro, seu companheiro desde os 7 anos de idade. Seu jeito de ser conquistava todas as pessoas, de peão a juiz. Era sócio honorário de um clube de pesca em Coromandel, onde não chegou a ir. Os sócios deixaram seu nome gravado em uma placa comemorativa.

Com 59 anos de idade, após alguns exames, na segunda vez na vida que visitou um médico (a primeira vez foi obrigado a ir, dois anos antes, quando estava com pneumonia), teve que parar de trabalhar e de fumar. Quinze dias depois, partiu desse mundo, deixando saudades em todos que o conheciam.

Até breve, Pai.

Casamento de Zé e Sônia. Foto: Arquivo pessoal

Casamento de Zé e Sônia. Foto: Arquivo pessoal

 

Zé e Sônia, final da década de  1980.  Foto: Arquivo pessoal

Zé e Sônia, final da década de 1980. Foto: Arquivo pessoal

 

Cine Theatro Uberlândia, o maior cinema de Minas na época de sua inauguração. Foto: Divulgação

Cine Theatro Uberlândia, o maior cinema de Minas na época de sua inauguração. Foto: Divulgação

 

Pensão Guanabara, esquina das avenidas João Pessoa e Afonso Pena. Foto: Divulgação

Pensão Guanabara, esquina das avenidas João Pessoa e Afonso Pena. Foto: Divulgação

 

Praça Tubal Vilel, década de 1960, após uma grande remodelação. Local dos famosos vaivéns que originaram muitos casamentos. Foto:  Divulgação

Praça Tubal Vilel, década de 1960, após uma grande remodelação. Local dos famosos vaivéns que originaram muitos casamentos. Foto: Divulgação

 

Praça Rui Barbosa, década de 1960. Foto: Divulgação

Praça Rui Barbosa, década de 1960. Foto: Divulgação

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Coimbra Júnior.
(*) Administrador de Empresas, especializado em Finanças. Trabalha atualmente na Via Travel Turismo. Criou a página História de Uberlândia no Facebook.

7 Comentários

  1. Edson disse:

    Coimbra Júnior. Vc falando de seu pai foi como eu estivesse vendo ele. Cheguei a pescar com ele várias vezes, sempre que ele podia passava em minha casa, dava uma buzinada de convocação para a pescaria, muitas vezes após as cinco da tarde, iriamos na criação de minhocas que ele mantinha no quintal, pegávamos e pé na estrada rumo ao Paranaíba, ali, primeiro tinha que pegar uma sete légua para isca, e assim garantir um Jaú. Ele pescava com várias carretilhas ao mesmo tempo. O cigarro que tanto foi ruim para ele, lembro até hoje, ele deixava caído no canto da boca.
    Foi ótimo ter encontrado este relato seu, muito bom. Abs. Edson

  2. Solange Mota disse:

    ZeZé, fiquei muito emocionada ao ver a foto do.seu pai e da sua mãe. Eles foram pessoas muito especiais, deixaram Saudades e muito exemplo de vida. Parabéns por esse trabalho que está fazendo, relembrando histórias saudosas e de certa formá amenizando Saudades que ficaram. Um grande abraço, Solange

  3. Olinda de sousa mota disse:

    Oi Zeze, não tem como não ficar emocionada ao ler essa história. Bate uma saudade lá no fundo .
    Irmãos queridos, pena que se foram tão cedo. Parabéns por seu trabalho, tenho certeza que seus pais estão orgulhosos de você. Um grande abraço. Tia Olinda.

  4. Marcelo Mota Penha disse:

    Fala primo sou um felizardo de ter convivido com seus PAIS e me lembro de certa feita você mostrando uma moto que tinha comprado se não me engano uma de 350 cilindradas toda esportiva e seu pai pediu para dar uma volta. No momento houve uma ligeira tensão, serà que ainda consegue pilotar e o Tio Zé Coimbra subiu a Vigário Dantas RASGANDO com a motocicleta.Seus PAIS continuam vivos e imortalizados no meu pensamento. Viva A Tia Sônia e Viva O TIo Zé Coimbra

  5. Orcalino disse:

    São lembranças que muito me emocionam. Afinal, fomos contemporâneos, vivi e convivi, como ainda hoje, com todos os meus irmãos, cunhados e sobrinhos. Lembro-me de tudo e de todos. Em relação ao seu pai, sua mãe e vocês filhos, ainda estão frescas minhas lembranças de todas as vezes que passa em Goiânia, no Jardim América. Até hoje, quando, eventualmente passo por lá, naquele ponto específico, onde moravam, as lembranças afloram a minha mente. São boas lembranças, bons momentos de felicidades.

  6. olivia disse:

    Grande Zé Coimbra! Ele e a Sonia deixaram muitas saudades. Como ele gostava de uma pescaria! Lembro que quando ia a Uberlandia e ia visita-los, ele gostava de mostrar toda a tralha de pescaria. Eu não entendia nada, mas ficava prestando atenção pois era o assunto do qual ele gostava de falar.Lembro também do pernil de Natal, que ele preparava com todo capricho. Uma delícia!Muitas saudades dele de minha irmã Sônia. Que Deus os abençoe muito lá no céu.

  7. Edilene disse:

    Q lindo relato adorei saber q tenho um genro neto do sr. Zé Coimbra!

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