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A divindadade da magistratura, por Luciano Caettano

qui, 8 de janeiro de 2015 00:02

Luciano Caettano *

O famigerado caso da agente de trânsito versus o juiz de Direito parado em uma blitz da “Lei Seca”, no RJ, trouxe novamente à baila a famosa discussão sobre o predicado de divindade atribuído aos magistrados. Então vamos à pergunta que não quer calar: Juiz é deus?

Por definição daquilo que é considerado “divino” do ponto de vista religioso, não. Porém, do ponto de vista mundano, que é este experimentado em consciência por nós, e longe da perfeição etérea, sim, os juízes são deuses. Pelo menos metaforicamente falando.

Na verdade, melhor pensando, os juízes – esses de primeira instância – estão mais para “semideuses”, porquanto nem sempre a vontade (decisão) que prevalece ao final é a deles. Por isso, os verdadeiros deuses desse “Olimpo jurídico” são mesmo os desembargadores e ministros do STF. Estes sim decidem definitivamente, e quando assim o fazem, com todo o respeito, nem o divino celestial há de mudar o resultado. O branco vira preto, o alto vira baixo e o gordo vira magro na sentença que exprime a vontade dos deuses jurídicos!

Há, de fato, algumas semelhanças entre eles (juízes) e os deuses da religiosidade. Tomando o do cristianismo como paradigma, temos a “vontade”, por exemplo, como uma dessas semelhanças. “Seja feita a Vossa vontade” não é o que dizem os cristãos quando oram o “Pai Nosso”? Assim sendo, a vontade de Deus há de prevalecer sobre tudo. Aqui na terra, no entanto, há de prevalecer a vontade dos “deuses jurídicos”. Notadamente, em ambos os casos, nem sempre o que pedimos é o que de fato recebemos.

Vou além, com todo respeito, mas os “deuses” daqui são muito mais atenciosos conosco que o divino! O dia-dia é testemunha disso. Quantas e quantas vezes fizemos orações pedindo – talvez implorando – algo e não fomos atendidos? Por certo, várias! Agora faça algum pedido ao Judiciário e eu sou capaz de garantir o atendimento – o que não quer dizer necessariamente bem-sucedido nele. Mas que TODO pedido é apreciado e respondido é.

Os “deuses” daqui também têm os seus Mandamentos. Como não? Pois o que não são as Súmulas senão verdadeiras regras superiores? E olha que aqui são bem mais que Dez. Isso acontece talvez porque, diferentemente da atuação sideral, aqui embaixo o Direito deve acompanhar os fatos sociais, sendo, assim, dinâmico. Dinamismo este inaceitável se atribuído ao Juiz lá de cima, pois o rebaixaria ao status dos julgadores terrenos, os quais estão, em tese, infinitamente longe do esmero da sua “justiça e sabedoria”.

Na verdade, estamos inseridos num contexto histórico-cultural habituado a enaltecer certos cargos públicos que exprimem autoridade. Com a magistratura não é diferente, visto o seu nobilíssimo mister de promover a Justiça. Como bem sabemos, para esse fim, o juiz não pede, ele ordena. Isso soa poderoso demais mesmo. Impõe respeito. Contudo, e evidentemente, a metáfora de “deus” não os exime de obedecer às regras a todos imposta.

Portanto, há limites! E, não por acaso, os “anjos da lei” (advogados) estão inseridos nesse sistema jurídico “sacrossanto” com a não menos nobre missão de interceder junto aos “deuses de toga” – e até mesmo contra estes se preciso for – para que não haja injustiças!

Todavia, a divindade da magistratura satiriza: “Jesus liberta, mas quem assina o habeas corpus é o juiz”.

* Advogado e funcionário público

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