Os alicerces do comécio atacadista de Uberlândia
qui, 19 de dezembro de 2013 00:01O leste de Mato Grosso, em meados da década de 1930, fervilhava de garimpeiros. A cidade de Lageado, hoje Guiratinga, convivia com a riqueza gerada pelo diamante e com a necessidade de produtos, mesmo os básicos, pois as estradas da região eram péssimas e o comércio local não conseguia suprir a demanda dos novos endinheirados, de bolso cheio, mas sem ter o que comprar.
Em um belo dia do ano de 1934, a situação mudou. Lá na curva da estradinha utilizada pelas carroças e carros de boi, surgiram seis caminhões carregados com tudo que a cidade precisava. A partir de então, a cidade e a região nunca mais conviveram com problemas de abastecimento.
Por essa época, os caminhões raramente conseguiam carregar mais de quatro toneladas. Eram deficientes, com apenas quatro rodas, e as estradas, totalmente sem estrutura, atrapalhavam. De Uberlândia ia-se até Ituiutaba, Monte Alegre, Tupaciguara e Itumbiara, pela pioneira estrada construída pela Companhia Mineira de Auto Viação Intermunicipal, CMAVI, de Fernando Vilela. Era mal conservada, cheia de atoleiros no tempo das chuvas e buracos na seca. Os caminhões deslocavam em comboio, quase encostados. Quando um encalhava os outros ajudavam e marcavam aquele ponto. Eram os chamados “pontos de encalhe”.
Novas estradas, construídas por outros empresários, entravam Goiás adentro e chegavam a Mato Grosso. No geral, eram todas muito ruins. Sobre os córregos, os caminhões passavam por rudimentares mata-burros, às vezes construídos com apenas dois troncos de árvore. Eram comuns essas pontes improvisadas quebrarem, e os próprios motoristas as consertarem. Para as viagens, eles levavam chicão, barris com gasolina amarrados acima da carga, matulas, cordas e ferramentas. Em toda a extensão do emaranhado de estradinhas não havia uma pensão, um bar, um posto, um mecânico, um borracheiro, nada que os ajudasse.
Quando as estradas acabavam, os motoristas continuavam pelos caminhos de carros de bois, ou por picadas, levando mercadorias até onde Deus duvidava. Esses corajosos pioneiros tomavam, por sua conta e risco, novos pedidos para novas viagens. Pedidos esses que não eram endereçados a nenhum comerciante específico. Os motoristas, chegando à já chamada Uberlândia, procuravam fornecedores, que lhes passavam as mercadorias. Muitas vezes eram compras que só seriam pagas na próxima safra. Guardiões e responsáveis pelos pedidos, os motoristas não ganhavam nada além do frete. Receita médica era trazida para aviar, e até dinheiro era transportado. Os sacos de dinheiro iam bem ao meio da carga e, apesar de levar até meses para chegar ao destino, nunca foi relatado assalto. Nesses tempos em que um fio de barba valia mais que uma assinatura em contrato, a mercadoria era descarregada na calçada, às vezes de noite e por ali pousava até a manhã seguinte sem ser incomodada.
A História de Nego Amâncio, pioneiro e empreendedor
Participante ativo e inconteste destes heroicos tempos do caminhoneirismo no Brasil, Joaquim Amâncio Filho, conhecido popularmente como Nego Amâncio, falecido em 1990, deixou seu legado na história do Triângulo Mineiro e sul de Mato Grosso. Junto com os motoristas do seu tempo, foi uma das mais poderosas alavancas do desenvolvimento comercial da região e fincou profundamente os alicerces do grande comércio atacadista da cidade de Uberlândia.
De batismo, Joaquim Amâncio Filho. Da vida, Nego Amâncio. Filho de Joaquim Amâncio Cabral e Ana Isméria dos Santos, nasceu na Fazenda Córrego do Fundão, em 7 de fevereiro do ano de 1910. Passou a infância e a adolescência como trabalhador braçal, ajudando seu pai na fazenda onde nascera. Quando completou 19 anos, mudou-se para a próspera cidade de Uberabinha.
Em Uberabinha, conseguiu um crédito e comprou seu primeiro caminhão. Foram seus caminhões que chegaram em 1934 a Lageado. Nessa época alcançou também as cidades de Alto Araguaia e Bonito, hoje Alto Garças.
Nessa região, foi pioneiro e ficou sozinho muitos anos, desbravando áreas sem comunicação, por caminhos de carroça e carro de boi. Construiu um armazém, em Lageado, para o envio de mercadorias para os garimpos e corrutelas do município, como Batovi, Estrela, Cassununga, Monchão Dourado, Diamantino, Alcantilado, Tesouro, Cafelândia e Vale Rico. Para esses transportes, Nego Amâncio se utilizava de tropas de burro. Quando ele chegava sempre havia centenas de animais esperando.
A partir de 1936, Nego Amâncio aprofundou o seu pioneirismo, chegando a atingir as distantes corrutelas de Birro, Inhumas, Jibóia, Pedra Preta, Rondonópollis, Mutum, hoje Dom Aquino, Poxoréo, Jaciara, Juscimeira e, finalmente, Cuiabá. Nessa época, ele já possuía uma pequena frota, mantendo essa linha pioneira por muitos anos. Em 1948, fundou a Empresa de Transportes Rodoviários Nego Amâncio, com sede em Uberlândia, especializada em transporte rodoviário para a capital paulista, Triângulo Mineiro, Sudoeste goiano, interior e capital de Mato Grosso.
Tardiamente, aos 43 anos de idade, em um chuvoso 5 de outubro, casou-se com Diná Vargas Amâncio e tiveram cinco filhos.
A empresa de Nego Amâncio tornou-se uma grande transportadora, dominando todo o Estado de Mato Grosso. Em 1976, fundou uma regional em Cuiabá e estendeu sua área de atuação até o Acre e Rondônia. Abriu filiais em várias cidades.
Cruelmente, uma tragédia tirou a energia deste grande homem. Um desastre na rodovia levou dois de seus filhos. Desolado, desativou a empresa em 1982.
Coimbra Júnior.
(*) Administrador de Empresas, especializado em Finanças. Trabalha atualmente na Via Travel Turismo. Criou a página História de Uberlândia no Facebook.
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