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Saúde Alerta – O que é o Transtorno Bipolar?

qua, 31 de julho de 2019 05:58

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Primeiro a angústia, depois o desânimo. A seguir, vêm a animação e a vontade de fazer mil coisas ao mesmo tempo. A primeira impressão é que essas sensações são de duas pessoas, uma depressiva, outra eufórica.

A sensação de que uma pessoa pode se mover entre dois polos tão diferentes nos fascina e, ao mesmo tempo, nos aterroriza, ou seja é  a vida na montanha russa.

Mas, na verdade, trata-se do mesmo indivíduo, ou seja, alguém que sofre de transtorno bipolar de humor, doença psiquiátrica que atinge cerca de 3% da população mundial, caracterizada por oscilações abruptas de humor, com episódios de depressão e de mania (o oposto da depressão).

A doença mental está entre as dez que mais afastam os brasileiros do trabalho. Ocupa o terceiro lugar na lista, depois da depressão e da esquizofrenia.

É um transtorno relativamente frequente que ocorre em todas as idades e sexos, embora seja mais comum entre os 15 e 25 anos. Quando o início ocorre em pessoas com mais de 60 anos, os estudos comprovam que é provável que o transtorno tenha uma origem orgânica sobre a qual podemos intervir.

O humor é o pano de fundo da nossa vida emocional. Normalmente, se acontecem coisas boas, as pessoas ficam alegres, se acontecer algo ruim, ficam tristes. Para quem tem transtorno bipolar, a lógica não é sempre essa. O humor pode oscilar muito e de forma muitas vezes independente do que ocorre ao redor. Os acontecimentos influenciam de forma nem sempre previsível. Se morre alguém, imagina-se que a pessoa fique triste, mas o bipolar pode entrar numa crise de euforia, ficar ‘elétrico’, ou mesmo irritável e não porque não gostava da pessoa, mas porque o estresse desencadeou uma instabilidade da doença. Por isso, o transtorno é imprevisível.

Uma das principais evidências de que a doença está relacionada às reações químicas do cérebro é que os remédios dão resultado. Entretanto, o mecanismo de funcionamento da doença é um processo extremamente complexo. Ainda não há certezas sobre neurotransmissores ou reações químicas que estejam envolvidas no desencadeamento da doença. O que se sabe é que alterações da serotonina e da noradrenalina cerebrais estão relacionadas à depressão e a dopamina é o neurotransmissor mais relacionado aos episódios de mania.

 

O leitor que queira inteirar-se mais do assunto vale a pena ler o livro: “Não Sou Uma Só – Diário de Uma Bipolar”,  de Marina W. (editora Nova Fronteira). Trata-se de uma autobiografia que traz as alegrias e as angústias dessa jornalista, que só descobriu ser bipolar depois de casada e mãe de dois filhos, segredo guardado por ela durante mais de 20 anos. O diagnóstico tardio, inclusive, é um dos principais problemas no tratamento. Ainda é muito comum o paciente ser visto apenas como depressivo quando, na verdade, vai de um extremo a outro.

A transição abrupta entre as fases depressivas e maníacas é chamada pelos médicos de virada de humor. Os episódios de mania e depressão podem variar em dias, semanas ou até meses, sendo que os bipolares também têm fases de normalidade.

Há comprometimento funcional nas áreas pessoal, profissional e familiar e o quadro se agrava ainda mais quando os indivíduos não procuram ajuda adequada.

Durante a depressão, as sensações são de diminuição da energia, redução ou até incapacidade de sentir prazer, melancolia, desesperança e pensamentos pessimistas ou negativos, que podem incluir a idéia de suicídio. Os episódios de mania geralmente envolvem sensação aumentada de energia e poder, aceleração da velocidade do pensamento, diminuição da necessidade de sono, idéias de grandiosidade e comportamentos desinibidos e pouco críticos, que podem resultar em gastos excessivos, por exemplo. Muito do que se faz nessa fase, os bipolares nem sequer sonhariam em fazer no estado normal de humor.

Para desencadear uma crise não há motivos ou situações específicas. O estopim pode estar relacionado ao estresse, tanto positivo quanto negativo. Perder o emprego, separar-se ou mesmo casar-se e receber uma promoção no trabalho podem ser fatores com potencial para provocar uma crise de mania ou depressão. Nos pacientes em tratamento, o uso irregular ou mesmo a interrupção da medicação são um fator importante para que novos episódios da doença voltem a se manifestar.

Existe uma tendência de que, em uma mesma família, haja várias pessoas com diagnóstico da doença, o que sugere uma grande participação genética nesse transtorno. Entretanto, ainda não há comprovações científicas. Os fatores ambientais também interferem na manifestação do problema.

O estresse e a rotina agitada podem colaborar para que os efeitos da doença sejam maiores ou menores. Hoje, o ritmo de vida é mais acelerado, o acesso e o consumo de substâncias lícitas e ilícitas que interferem no humor são mais fáceis, por exemplo.

Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor para o paciente, sua família e amigos. O fato é que alguém que tenha depressão vai procurar ajuda porque se sente mal. Porém, a pessoa que passa por crises de euforia sente-se muito bem – até demais – para achar que esse estado inspire cuidados médicos. Isso pode atrasar a procura por ajuda e, conseqüentemente, o tratamento.

É uma barreira explicar e convencer alguém de que aquele estado de energia intensa, por mais agradável que pareça, é uma doença, por conta dos riscos a que a pessoa se expõe, como a impulsividade que leva a comportamento sexual desinibido, entre outros atos impensados.

Familiares e amigos podem ajudar o psiquiatra nesses casos, sinalizando comportamentos não habituais. Nos casos de gradação leve da doença, a chamada hipomania – quando o paciente é tímido e se torna extrovertido, por exemplo –, quem convive com a pessoa deve sinalizar ao médico que normalmente ela não se comporta daquela maneira. Entretanto, para o paciente é difícil perceber que essas mudanças no comportamento são manifestações do transtorno, mesmo que em grau leve.

Embora a doença apareça mais frequentemente no fim da adolescência ou início da vida adulta, crianças e adolescentes também podem sofrer com esse transtorno. Nos Estados Unidos, o número de diagnósticos de bipolaridade entre crianças e adolescentes cresceu 40 vezes na última década. A hipótese para esse aumento é a maior conscientização de médicos sobre o transtorno ou ainda um possível excesso de diagnóstico, em que uma criança mal-humorada pode ser tratada como doente.

Assim como uma série de outras doenças, o transtorno bipolar não tem cura, mas controle. É como ter hipertensão ou diabetes: a doença continua ali, mas o paciente aprende a reconhecer sinais, controlar e conviver com ela, enquanto leva uma vida normal. O objetivo é que o  paciente seja o gerente de sua saúde para reconhecer uma estabilidade ou piora da doença, além de tomar os remédios corretamente.

Com o avanço das medicações no tratamento da doença, diminuiu consideravelmente o tempo de hospitalização do paciente. Dessa forma, foi delegado à família o papel de cuidador. Para que este papel seja adequadamente desenvolvido, a família necessita: ser esclarecida sobre a sintomatologia da doença; uso correto da ingestão de medicações prescritas pelo médico; manutenção de rotinas diárias, como horários para alimentação, sono e atividades de trabalho e/ou estudo; e o que desencadeia sintomas por meio de relacionamentos nocivos como os descritos na pergunta anterior.

A participação da família no tratamento do portador do transtorno afetivo bipolar é fator importante na prevenção de recaídas e, consequentemente, no aumento da qualidade de vida para o portador e para a própria família.

A psicoterapia familiar é indicada para que portadores e familiares consigam identificar, em suas relações cotidianas, atitudes e comportamentos que possam predispor ao desencadeamento dos sintomas. Atividades de orientação psicoeducacional, por sua vez, ocorrem de forma significativa para difundir e compartilhar informações sobre a doença e seu tratamento entre portadores, familiares e amigos para, fundamentalmente, alimentar a esperança de um momento presente e futuro mais promissores a todos os envolvidos.

As intervenções psicológicas têm como foco ensinar ao indivíduo manejo de estresse, aumentar a rede de apoio social, regularizar ciclos de sono – vigília e desenvolver repertórios de autoconhecimento e autocontrole que vão ajudar na identificação e controle de mecanismos que podem exacerbar o transtorno.

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