“Rolezinho”, uma nova estética social, por Fernando Rizzolo
ter, 21 de janeiro de 2014 00:00* Fernando Rizzolo
Desde os primórdios da civilização um dos grandes desafios foi e tem sido entender as mudanças, sejam elas quais forem — tanto as interiores, do nosso ser, quanto as exteriores, com as quais convivemos. Conviver com uma nova situação que o destino nos impõe e nos adaptarmos exige um esforço racional que progride lentamente no interior da nossa alma, se assim podemos dizer.
É certo que uma vez constituído o hábito, essa convivência torna-se mais fácil – ou mais difícil, dependendo do teor da mudança. É notório que em todos os lugares podemos observar mudanças, transformações e movimentos dinâmicos. No meu caso, da mesa de café que ocupo neste momento em um shopping, onde desenho este texto, observo a grande maioria das pessoas a tentar se interiorizar através de seus celulares, fazendo da companhia ao seu lado algo secundário; até porque os casais, os amigos, cada um no seu silêncio, observa seu facebook, seu instagram, e os outros meios transformados rapidamente em prioridade pessoal.
Talvez essa falta de sociabilidade acabe explodindo através do uso desses mesmos meios e redes sociais, de modo que, de repente, todos se reúnam, num encontro desordenado, desajeitado. E mais, um encontro que carrega em si um conteúdo social de pouca autoestima, e que revela com cores bem nítidas que a juventude da periferia procura seu espaço no contexto de uma sociedade mais justa. Assim, nesse esteio de pensamento, o fenômeno do tal “rolezinho” é muito mais reivindicativo do que agressivo. É claro que me refiro aos jovens que querem apenas se reunir com os demais – e não vandalizar espaços públicos, o que é condenável.
Pensar sobre os “rolezinhos” leva à compreensão de que mesmo com toda a tecnologia, as redes sociais gigantescas e a inclusão educacional, os jovens da periferia ainda são por demais discriminados neste país. Acredito que num mundo conectado só podemos mudar uma sociedade se antes mudarmos nossos conceitos pessoais, e admitirmos que há sim, a necessidade de coibir com energia atos de rebeldia e vandalismo, mas, acima de tudo, temos de respeitar esse jovem que vem de outra parte da cidade. Muitos desses participantes do “rolezinho” são universitários, muitos têm seu jeito típico de falar – a propósito, na periferia, os códigos de linguagem são ponto de honra do qual não se abre mão –, mas são meninos e meninas que querem, como qualquer jovem, conviver em grupo, seja em um shopping ou em qualquer outra praça moderna. Ao contrário de mim, que, sozinho, aqui, escrevo, observo e sou bem atendido, essa moçada talvez se sinta melhor, mais protegida, mais forte quando está em grupo. Talvez, entre iguais, seja mais fácil suportar o olhar enviesado do lojista, do segurança.
Mudar é difícil, mas se habituar a novidades faz bem e começa dentro do nosso coração. Talvez seja a hora de dar um “rolezinho” em nossa percepção e consciência, acostumada, talvez, a pessoas que, como eu, ainda têm o hábito de se vestir socialmente para ir ao shopping ou sair à rua. Faço parte de um tempo em que a aparência e o esmero eram quase sinônimos de boa educação. Não concebo sair de casa sem uma camisa bem passada, os cabelos bem penteados.
Mas é claro, tudo mudou; o mundo, as pessoas, as roupas, os códigos de conduta. Essa moçada dos “rolezinhos” talvez não se sente a uma mesa no shopping para escrever e tomar um café. Mas, certamente, esses jovens estão por aí, por aqui. E devem estar, porque, caso alguém não tenha percebido, é melhor dar um “rolezinho” reflexivo e perceber que o Brasil é deles também. Viva a nova estética social…
* Advogado, Jornalista, Mestre em Direito Constitucional, membro efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, ex articulista colaborador da Agência Estado.
rizzolot@gmail.com , www.blogdorizzolo.com.br
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