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Coluna: Pergunte ao doutor (14/08)

qui, 13 de agosto de 2020 23:51

Abertura-pergunte-ao-doutor

Do outro lado da moeda 

Era um sábado à noite, o telefone tocou: “Doutor, seu exame de COVID-19, deu positivo”.

Lembro de quando desliguei o telefone e questionei internamente o que eu estava sentindo e o filme de toda minha vida em questão de segundos passou na minha frente. Estamos vivendo um momento único. Momento de mudanças, de dúvidas e incertezas. Ligação muda. Ergo a mão para sinalizar para a minha esposa o meu chamado, ela imediatamente fala: “vai dar tudo certo”.

Olho para a janela e vejo pessoas passeando na rua. Fico triste, aqui começa meu isolamento total. Imediatamente, ligo pro meu pai e conto a “péssima nova”.

Por um momento esqueço as pessoas que estavam na rua e penso apenas no senhor que me escuta do outro lado da linha. Sua paciência, tranquilidade e calma no jeito de falar mexem comigo. Precisava, realmente, fazer essa ligação. A calma da minha esposa e do meu pai me fortalecia.

Tudo me foi explicado sobre o comportamento da febre e o surgimento dos outros sintomas, as medidas de precaução, a importância do isolamento respiratório, as medidas de higiene necessárias.

-“Filho, o isolamento é muito importante. Eu sei o quanto isso é difícil. Especialmente pra gente que trabalha de forma direta com as pessoas.  Sei como a falta desse contato direto com o outro mexe com a gente. Mas, nesse momento a gente precisa fazer esse esforço para que possamos passar por isso o quanto antes.”

Nesse momento difícil, esposa, pai, mãe e irmã , primas, tios, tentam me dar o equilíbrio emocional ora perdido

Fui contaminado e confesso que sofri muito com este vírus. Tinha dia que parece que está melhorando e aí, volta tudo com muita força. Dói muito para respirar, me canso facilmente, perdi o paladar e além das dores no corpo. Estes são os sintomas leves descritos. Prestem atenção! Os sintomas leves são muito fortes e estão bem longe de uma “gripezinha”. São considerados leves porque os piores levam ao óbito.

Minha esposa fez o teste, graças a Deus, negativo.

Cada dia que passava eu era acalentado por alguém, uma paciente me emocionou, mandando “o prato predileto pro doutor: frango caipira”.

Outra paciente ligou e a me perguntou: E eu posso colocar seu nome nas minhas intenções?

Sua pergunta tocou minha alma e mexeu em meu coração. Sua pergunta, realizada de forma paciente e humana, me acolheu de uma forma extraordinária. Sua pergunta me levou de volta para o momento em que, no dia anterior, me questionei sobre o que eu estava fazendo.

“Então eu vou rezar por você.  Eu não posso fazer muita coisa né. Mas, eu posso rezar por você. E você faz a sua parte aí. Nós vamos passar por isso”!

Nesse momento não sou mais o profissional, mas apenas o menino que um dia viu na medicina uma forma de ajudar o próximo. Sou apenas eu. Em minha versão mais humana que eu poderia ter.

 

A fortaleza da minha esposa, “juntava os meus cacos e todos os dia me montava”.

Minha mãezinha sempre com a oração que a sua avó lhe ensinou e minha irmã na fé.

Minha prima na vigília que o hospital dela estava pronto a me acolher.

 

Fisicamente tive dores horríveis, e quando eu acreditava que ia melhorar surgiam novos sintomas.  Desde criança minha mãe e meu pai me ensinaram que devemos visitar os doentes para dar apoio emocional, isto os fortalecem e também os seus familiares. No caso da COVID-19 somos orientados a ficar isolados, não podemos ter o carinho físico dos familiares e amigos. Há o medo da morte, até os médicos têm medo do contato conosco. Por outro lado, há o grande temor de contaminar outras pessoas e não saber lidar com a culpa, e assim nos isolamos mais ainda. Ainda temos que lidar com a dor das pessoas que nos amam e que gostariam de estar conosco e se sentem tão impotentes. Como eu queria meus pais comigo nesse momento tão difícil me abraçando.

 

É UMA DOENÇA DA SOLIDÃO. É como estar num pequeno barco, numa grande travessia em uma noite de muita neblina e o único passageiro é você. Para concluir a travessia tem que carregar consigo a certeza de que além desta cortina de fumaça há pessoas que te amam muito. Por isto, não devemos pregar o isolamento social e sim, o distanciamento físico. Socialmente, é possível utilizar de tecnologias para dar apoio e conforto ao paciente e isto faz uma grande diferença no tratamento. A cada videochamada para meus pais  e familiares, eu me fortalecia, a cada mensagem de WhatsApp ou Messenger de amigos, amigos virtuais e familiares, a cada ligação minhas forças renovavam, mesmo que, brevemente. Aqui, agradeço o carinho de centenas de pessoas que mandaram energias positivas e também faço um alerta: é necessário cuidar emocionalmente dos pacientes com COVID-19. Façam o distanciamento físico, jamais os isolem socialmente.

 

Tenham responsabilidade e cuidem, em especial, das pessoas idosas, com problemas respiratórios, pois, as consequências podem ser muito graves.

Eu venci a COVID-19. Olho para a janela e lembro da frase de Madre Teresa:

“Não podemos fazer grandes coisas no mundo. O que podemos fazer são pequenas coisas com amor. Um muito obrigado a todos vocês”.

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