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Coluna: Neuropsi (15/10)

qui, 15 de outubro de 2020 10:00

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1-O que é automutilação?

A automutilação é definida como qualquer comportamento, intencional, envolvendo agressão direta ao próprio corpo, sem intenção suicida e por razões não socialmente ou culturalmente compreendidas. Esta definição exclui tatuagens, perfurações e danos não-intencionais ao próprio corpo.

Automutilação é todo comportamento intencional envolvendo agressão direta ao próprio corpo sem intenção consciente de suicídio, embora possa resultar em morte. Normalmente, em seguida à automutilação, a pessoa procura esconder as feridas autoinfligidas com roupas ou oferece explicações alternativas para elas. Algumas pessoas, com o interesse de escondê-las, abandonam as situações em que seja necessária a exibição do corpo, como ir à praia ou a um clube, por exemplo.

A automutilação é, geralmente, uma maneira de expressar ou lidar com uma angústia esmagadora ou aliviar uma tensão insuportável; às vezes, pode ser uma mistura de ambos. A autoagressão também pode ser um grito de socorro.

A pessoa que se automutila não está, usualmente, querendo interromper a própria vida, mas sim usando esse comportamento como um modo de aliviar alguma dor emocional e desconforto.

2-Por que as pessoas se machucam?

Na maioria dos casos, as pessoas se machucam para ajudá-las a lidar com questões emocionais insuportáveis, que podem ser causadas por:

– problemas sociais – tais como ser intimidado, ter dificuldades no trabalho ou na escola, ter relacionamentos difíceis com amigos ou familiares, entrar em acordo com a sua sexualidade (homo ou bissexualidade) ou lidar com expectativas culturais, como um casamento arranjado;

– trauma – como abuso físico ou sexual, a morte de um familiar ou amigo próximo, ou ter um aborto;

– causas psicológicas – repetidos pensamentos negativos e depreciadores, sentimentos difíceis (por exemplo, angústia, ansiedade, stress, tristeza), episódios de dissociação (perder o contato com quem você é ou seu ambiente).

3-Quais são as formas mais frequentes da automutilação?

As formas mais frequentes de automutilação são cortar a própria pele, bater em si, arranhar-se ou queimar-se. Essas lesões podem variar de superficial a moderada, mas em geral não há intenção em provocar a própria morte ou lesões graves com esse tipo de ferimento.

São mais frequentes: esmurrar-se, chicotear-se, cortar-se com giletes, navalhas, vidros e facas, enforcar-se por alguns instantes, morder as próprias mãos, lábios, língua ou braços, apertar ou reabrir feridas, arrancar os cabelos, queimar-se, furar-se com agulhas, arames, pregos, canetas, beliscar-se, ingerir agentes corrosivos, pregos, alfinetes etc., se bater, socar paredes e outras superfícies ásperas capazes de machucar as mãos e envenenar-se, sem a intenção de suicídio.

Uma forma clássica de automutilação, comum nos serviços de emergência, envolve fazer cortes nos braços, pernas, coxas, abdômen etc., mais nos pulsos. A automutilação entre indivíduos com outros distúrbios mentais (autismo, retardamento, inteligência limítrofe etc.) costuma envolver ações relativamente simples, tais como bater a cabeça contra a parede, esmurrar superfícies duras e morder-se. É comum desenvolverem pica, que corresponde a um transtorno em que o afetado engole substâncias/objetos que não são comestíveis.

4-Qual é sua frequência, faixa etária e sexo mais acometidos?

A automutilação é um problema silencioso, que atinge muitos adolescentes no Brasil e no mundo, cerca de 20% dos jovens brasileiros se mutilam; um problema que os afeta mais do que as drogas e que o bullying nas escolas é um dos principais causadores desse problema.
O Brasil não tem estatísticas oficiais, mas todos os estudos internacionais chegam ao mesmo número indicando que 20% dos jovens sofrem desse mal.

A automutilação é mais comum do que pensamos, especialmente porque as pessoas que se machucam costumam esconder seus ferimentos por vergonha ou medo. Embora possa acontecer em qualquer etapa da vida, é mais comum na adolescência. Em pesquisas com amostras na comunidade, a automutilação ocorre tanto em homens como mulheres; em amostras clínicas – aquelas colhidas em centros de tratamento médico ou psicológico – a maioria é de mulheres.

Na segunda temporada da série  Sob Pressão, da Rede Globo, a médica Carolina (Marjorie Estiano) sempre quando se sente angustiada, pratica a automutilação.

5- Qual é o perfil do automutilador?

Geralmente a pessoa se automutila com a intenção de interromper uma dor emocional muito forte, numa espécie de troca, da dor emocional pela dor física. No entanto, apesar desses intensos sentimentos internos, o automutilador não experimenta muitas reações emocionais no que diz respeito a eventos externos, sendo capaz de presenciar grandes tragédias sem reações emocionais.

São capazes de se deparar com uma sensação de vazio e tornam-se incapazes de quaisquer sentimentos comuns, como ódio, raiva, indignação, medo, insegurança, alegria, amor etc. Sentem-se apáticos e desinteressados com relação a qualquer assunto que os rodeie. Os automutiladores em geral sentem compaixão por outras pessoas na mesma situação. No mais, eles tendem a ter grandes dificuldades de expressão verbal ou emocional e não conseguem falar sobre suas angústias, nem chorar diante dos outros. No máximo, alguns indivíduos afirmam que escrever (textos, poemas, contos, músicas ou sua história pessoal etc.) lhes parece de grande ajuda.

Essas pessoas não possuem amor próprio, têm baixa autoestima e se definem como “um lixo”, “sem qualquer importância” e fracassadas. Não guardam qualquer expectativa futura positiva, pois se consideram incapazes de alcançar qualquer coisa realmente boa. Assim, procuram se afastar da família e dos amigos, com a ideia de que assim os poupam do mal que presumem ser a sua presença e passam a levar uma vida isolada.

Com frequência se descobrem buscando feridas ou cicatrizes semelhantes às suas em outras pessoas, como uma forma de não se sentirem tão sós. O desejo de se automutilar é descrito por elas como algo incontrolável, um vício do qual, ainda que queiram, não conseguem se libertar. Muitas pessoas alegam não saberem o motivo de fazerem isso.

Após uma crise em que fere o próprio corpo, a pessoa apresenta um sentimento de culpabilidade. O indivíduo chora muito e a sensação de fracasso é extrema, assim como a dificuldade de falar sobre si e sobre a doença é acentuada, com medo de não ser compreendido e aceito.

 6-Como tratar a automutilação?

O tratamento da automutilação deve ser feito por uma associação entre psicoterapia e medicação. A psicoterapia tem como um dos objetivos ajudar o paciente a identificar outras formas de lidar com as frustrações. Ainda não há medicação específica para a automutilação, entretanto, a medicação pode aliviar os sintomas depressivos e ansiosos associados e também este comportamento.

É essencial identificar as causas do problema, embora isso seja difícil, e tratá-las. É importante que a iniciativa do tratamento seja do próprio paciente.

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