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Meio Desligado – Sou formado em Filosofia. E acho que ela deveria sair da grade obrigatória do Ensino Médio

qua, 26 de outubro de 2016 05:01

meio desligado

**por Joel Pinheiro via Spotniks

Fiz minha graduação na Filosofia da USP, onde também fiz o mestrado. Meu objeto de estudo era Tomás de Aquino, um filósofo e teólogo do século 13. Considero a Filosofia algo que poderia ajudar na formação de muita gente – mesmo de muitos que não vão querer cursá-la na faculdade – e adoro encontrar pessoas com os mesmos interesses que eu. As questões mais importantes da vida e do universo não podem ser respondidas com números e experimentos científicos; é o nosso pensamento que terá que encontrar respostas e formular novas perguntas.

Não sou, como podem ver, um cara de Exatas. Não quero transformar os jovens estudantes brasileiros em engenheiros e advogados. E, mesmo assim, sou contra a obrigatoriedade de Filosofia no Ensino Médio. Ué?

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Sim, é isso mesmo. Não achei uma boa ideia quando tornaram a matéria obrigatória em 2008 e agora defendo que ela volte a ser opcional, como talvez aconteça graças à reforma educacional que o governo Temer quer passar. Não tenho opinião sobre o documento todo; algumas coisas me parecem boas – fim da burocracia inútil que era um graduado ter que tirar licenciatura para dar aula em colégio – e outras nem tanto, como o período integral para todo mundo.

Seja como for, a ideia de tirar Filosofia (e Sociologia) do currículo obrigatório faz todo o sentido. Em primeiro lugar por uma razão muito simples: nossos alunos não sabem ler.

Segundo pesquisa do Inaf, 92% dos brasileiros não estão plenamente alfabetizados. Isso significa que não conseguem ler e entender um texto minimamente complexo. O mesmo vale para habilidade com números: poucos sabem calcular uma fração ou uma mísera taxa de juros; e vai todo mundo pro crediário. O Brasil tem falhas muito profundas em seu ensino básico, que se refletem, por exemplo, em nossos resultados pífios em exames internacionais, como o PISA, em que ficamos na posição 60 de 76 países participantes.

Falhamos em passar para nossos jovens conteúdos elementares, essenciais para todo o resto. Com uma base sólida de leitura, escrita, matemática e pensamento lógico, sabendo formular argumentos e se expressar de maneira clara, a pessoa está capacitada para aprender qualquer outro conteúdo. Sem essa base, todo o resto fica comprometido. De que adianta discutir metafísica se o aluno não consegue seguir um texto argumentativo?

Obrigar as escolas a gastar seus recursos (não só dinheiro, mas também o tempo dos professores e a atenção dos alunos, que é escassa) em matérias não essenciais prejudica a capacidade de passar esse conteúdo primário, esse ferramental para todo o resto do saber.

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Além disso, entre todas as matérias possíveis para se aprender na escola, quem disse que Filosofia é tão importante que precise ser obrigatória? Por que não economia, Direito, teatro, religiões, programação, astronomia, robótica? O MEC sempre cede à tentação de querer determinar nos mínimos detalhes como deve ser a formação de todo aluno brasileiro; quer uniformizar, padronizar, não permitir que nada fuja de seu controle. Desde a quantidade de dias e horas de aula até os conteúdos a serem aprendidos, está tudo no papel.

Ao invés disso, o MEC deveria se ater a um núcleo mínimo de conteúdos essenciais, cobrados de todas as escolas. De resto, liberdade. Cada escola poderia escolher como montar a formação de seus alunos, que matérias oferecer, quais professores contratar etc. Isso permitiria que a educação – garantindo aquele mínimo sem o qual ninguém aprende nada – se moldasse a diversas realidades locais e mesmo, quando possível, à preferência dos alunos.

Os recursos são escassos. Talvez ofertar Filosofia para todo o Ensino Médio não seja a melhor escolha para uma escola na qual a alfabetização e numeração ainda demandem esforços. Outra, com uma cultura, mais de Exatas, pode preferir contratar um físico quântico e não um filósofo. Cada escola tem que pesar, dentro de suas condições e oportunidades, como fornecer aos alunos a melhor formação que as circunstâncias permitem. Impor uma obrigação extra não cria recursos para as escolas; apenas compromete a liberdade de usá-los da maneira que se considera melhor. Não existe apenas uma resposta certa. Não é preciso que apenas um modelo seja aplicado em todo o país.

Sim, para as pessoas formadas em filosofia, os candidatos naturais à vaga de professor de filosofia no colegial, o fim da obrigatoriedade significará menos vagas de trabalho. Mas não sua extinção: muitas escolas continuarão com aula de filosofia. Seja como for, a educação brasileira tem a ganhar. Filosofia foi central na minha formação, e adoro compartilhá-la com jovens que também lutam com as grandes questões; mas isso não me leva à arrogância de afirmar que é o caminho absolutamente necessário a todos os estudantes do Brasil.

1 Comentário

  1. Mauro Sérgio Santos disse:

    Filosofia na educação básica

    “Verdadeira filosofia consiste em reaprender a ver o mundo”
    (Merleau-Ponty)

    Desde o fim da ditadura militar, com o processo de redemocratização do país, a filosofia vem paulatinamente ganhado espaço na educação básica brasileira, seja como conteúdo transversal como propunha a Lei de Diretrizes e Bases da Educação ou como disciplina obrigatória, conforme estabelece uma resolução de agosto de 2006, assinada pelo então presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva.
    Isso não ocorreu, obviamente, de maneira gratuita e espontânea. É, ao contrário, o fruto ainda não totalmente amadurecido da luta de organizações e movimentos espalhado pelo Brasil: filósofos defensores do ensino de filosofia para crianças e jovens, intelectuais que debateram a questão na imprensa e na universidade; associações de professores de filosofia insistentes no repudio à histórica marginalização da filosofia no sistema educacional brasileiro; sindicatos do embate com o Estado.
    A imagem da filosofia foi, ao longo da história, alvo de inúmeras distorções, preconceitos e estereótipos. E talvez seja essa a causa da dificuldade em se estabelecer, mediante práticas concretas, o reconhecimento de sua importância no contexto educacional brasileiro.
    Há quem pense, por exemplo, que a filosofia é uma ciência acessível apenas a um grupo seleto de mentes brilhantes ou luxo de intelectuais iluminados. Outros ainda, imaginam o filósofo como uma figura pitoresca e excêntrica distante da realidade; alguém que passa todo o tempo envolvido em divagações e devaneios inúteis, ou, como dizem freqüentemente os alunos, viajando.
    A filosofia surgiu na Grécia Antiga há aproximadamente vinte e sete séculos. E este seu irromper ocorreu precisamente a partir de questionamentos e indagações comuns a todas as pessoas: de onde viemos? Para onde vamos? De que somos feitos?
    Segundo sua origem, a palavra filosofia significa amor à sabedoria, desejo de conhecimento. A criação desse termo é atribuída a Pitágoras, que dizia não ser um sophos (sábio), mas apenas um filósofo, isto é, um amigo ou amante do saber: alguém que reconhece a própria ignorância e busca superá-la continuamente (como propunha Sócrates).
    A atividade filosófica é, pois, marcada amiúde por uma espécie de espanto com o espetáculo que é a realidade (Aristóteles); Filosofar é empenhar-se em ver o mundo, a existência e os fatos de maneira mais clara, sem sombras (Platão). É superar as percepções óbvias e superficiais do senso comum através da pesquisa e da reflexão racional. Desse modo, um convite a um pensar crítico, criativo e sensível. como propõe o educador americano Matthew Lipman.
    Neste sentido, a implementação (ou ampliação) do ensino da filosofia no Ensino Regular representa, portanto, uma contribuição sobremodo significativa ao exercício da investigação autônoma, do debate livre de idéias e do senso crítico no contexto escolar brasileiro. E, desse modo, um estímulo ímpar à prática da tolerância (intelectual, religiosa, política) e da cidadania.

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