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Meio Desligado – Caro Francis

qua, 16 de março de 2016 08:45

meio desligado

No ano em que Paulo Francis morreu, eu estava aprendendo a ler. Tinha 4 anos. Levou um tempo até que fôssemos apresentados, tempo demais para alguém que se arrisca a escrever para um jornal. Falta grave, admito. Ele teria feito o artigo mais ácido e bem humorado em defesa das manifestações de domingo que eu não li e jamais conseguirei fazer. Como seriam divertidas as provocações à “Jararaca de Atibaia”, as análises dos discursos disléxicos da Dilma no Manhatan Connection! A internet teria uma fábrica de memes.

Caro Francis

Caro Francis

 

Nesse mundinho sem graça que a gente vive, onde não se pode mais criticar e nem ter uma visão de mundo diferente do que é considerado o padrão dos “bonzinhos inteligentinhos”, faz falta alguém que mete o pé na porta, levanta a voz e grita “O Rei está nu!”, ou melhor, “O PT está nu!”. Porque Francis já fazia isso há muito tempo, numa época em que quase ninguém percebia a podridão que estava por vir. Ele sabia que a “defesa da classe operária” era apenas uma desculpa para alguns poucos se enriquecerem as custas dos nossos impostos.

Também sabia o que estava acontecendo com a Petrobrás. Um dia acusou os diretores da estatal de praticar superfaturamento, manter quantias milionárias em bancos da Suíça e formar “a maior quadrilha que atuou no Brasil”. Foi processado e o valor da indenização que ele teria que pagar era absurdo. Pouco tempo depois, sofreu um infarto que o matou.

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E antes que algum idiota se atreva a lançar que os desvios são anteriores ao governo Lula e culpar mais uma vez o “demônio” FHC, eu devolvo a realidade nua e crua: o senhor Luís Inácio não moveu o único dedo mindinho que lhe resta para mudar isso. Pelo contrário, gostou do que viu. Se não tivesse gostado, teria demitido Pedro Barusco e colocado a Polícia Federal para investigar. É muito simples.

Talvez tenha sido melhor para Francis não presenciar a maior quadrilha que atuou no Brasil ficando cada vez maior e o esforço desesperado de alguns poucos, que tentam escapar desse lamaçal de corrupção, imoralidade, inversão de valores e desprezo completo pela racionalidade.

Talvez a minha admiração por ele tenha muito de identificação pessoal, é óbvio, guardadas as devidas proporções da minha ignorância. Francis era trotskista na juventude, assim como Reinaldo Azevedo, mas ambos reconheceram que estavam equivocados e se identificaram com a direita que, acredito eu, tenham criticado na época da censura. É preciso grandeza para admitir o erro.

Eu estava errada quando achava que o problema do mundo era uma elite burguesa que nos oprime. Quando eu achava que, por ser mulher, deveria ficar o tempo todo tentando provar que poderia fazer tudo que os homens fazem, não é mesmo Sara Winter? Quando achava que não era possível caminhar com as próprias pernas, que o Estado deveria me “dar” tudo, quando reduzia as críticas que recebia à “ódio aos pobres.”

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Pensando bem, caro Francis, queria que você estivesse aqui para ver essa juventude brasileira que tirou a venda vermelha dos olhos e floresce se libertando do obscurantismo mental, intelectual e espiritual. Porque é o medo de ser careta, companheiro, que te transforma em uma paródia de si mesmo.

2 Comentários

  1. Antônio Marcos disse:

    O Estado não tem que nos dar tudo, mas tem que dar a todos o mínimo existencial. Isso é básico. Em alguns países, essa necessidade de reduzir desigualdades sociais surgiu já no século XIX. O nome disso é solidariedade. Por sua vez, as mulheres e outras categoriais que, ao longo da história, foram prejudicadas merecem um tratamento diferenciado, uma discriminação positiva. É absolutamente errado confundir as políticas sociais do governo do PT, dito de esquerda (mas inegavelmente neoliberal), com a má qualidade da gestão ou os crimes cometidos pelos petistas. As reformas sociais do lulopetismo foram tímidas, mas, mesmo assim, surtiram bons efeitos nos dois mandatos do partido. Agora, a corrupção e os erros na condução da política econômica podem jogar fora parte dessas conquistas. Sobre a existência da corrupção, não há novidade alguma. No Brasil, quem chega ao poder, sobretudo, no Executivo, em regra, tem que vender a alma ao diabo (a necessidade de alianças com um emaranhado de partidos demonstra isso). Financiamento ilegal de campanhas, pagamento de propinas e compra de apoio parlamentar, infelizmente, tornaram-se regra. A prática do “mensalão”, por exemplo, ficou conhecida em Minas (PSDB), passou pela Presidência da República (PT), chegou no Distrito Federal (Democratas). Em cifras diferentes, mas com igual modo de agir, deve existir em vários estados e municípios. Basta investigar. O resto, inclusive aquela conversa de que a corrupção petista era usado para se perpetuar no poder, também não é novidade. Quem está fora, salvo raras exceções, pratica corrupção para chegar ao poder. Quem está dentro vale-se de tudo para permanecer.

  2. Oliro Junior disse:

    Excelente texto.

    Parabéns, cara Talita.

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