Ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí, por Marli Gonçalves
qua, 29 de janeiro de 2014 00:00* Marli Gonçalves
Vou acabar entrando também nessa onda, uma vez que virou a festa do lupanar sem dar. A modinha do momento. Uma desculpinha. Tomaram, e muito. Beberam até cair, inclusive vinhos de alguns milhares de reais. Agora, ao invés de devolverem, não! Fazem vaquinha com nome bonito para esquentar dinheiro. Mais: tucanaram a vaquinha. Tucanaram a pobre da vaquinha. É mesmo, qualquer coisa que cai na mão dessa gente ganha novos ares, e nem sempre eles são respiráveis.
Assim, aproveitando a proximidade das festas carnavalescas, da alegria desmedida e bêbada onde nada tem dono, venho por meio desta verificar se é possível eu também obter alguma ajuda. Sim, ajuda financeira, bufunfa, dinheirinho, colaboração, troco. Justificativas: ando precisando comprar umas coisinhas, me comportei e me comporto bem, não sou Papuda. Como observei a facilidade para a obtenção de quase um milhão de reais para o genuíno dilúvio, penso que o que eu preciso pode ser mais simples. Prometo prestar contas. E como a vaquinha, a nossa, tradicional, aquela que a gente junta uns dinheirinhos amassadinhos de uns e de outros para comprar um negócio qualquer, ganhou melhor status e nome – crowdfunding, acho chique. Pensei em aderir. Mas não posso dar. Então, estendo minha mãozinha.
Primeiro preciso contar para o que preciso da vil moeda: meu computador de casa arreganhou-se. Começo a escrever uma coisa e em segundos há outra escrita na tela, ininteligível, pois as letras pululam mais desordenadas do que a rapaziada fugindo das balas de borracha e sprays em dias de manifestação. Uma letra não encontra a outra, ou uma empurra e acaba criando palavras dignas de ser ditas em línguas eslavas, daquelas que seria preciso jogar de um avião um carregamento de vogais para significar alguma coisa. Preciso comprar um computador novo, bom. Não, notebooks nunca mais, que esse já é o quarto ou quinto que vai pro brejo junto com a vaca, pastando. Quero um firme, sólido, de mesa, potente…Ok, se é desejo, sim, eu quero um IMac de última geração. Até porque como agora não tenho mais espaço para nada ele é o mais compacto, e vem com aquela tela linda, enorme, onde adoraria ver o que escrevo para você, querido leitor.
Bem, talvez agora eu até esteja mesmo bajulando você, mas saiba que tudo é pela minha vaquinha. Todo mundo não faz cara de bom, de inocente? Não teve ministro dizendo por aí que a gente é ingrato porque foi às ruas se manifestar quando eles são bons para nós?
Pois, então, eles são bons e estamos falindo. Não posso comprar o tal computador – um instrumento de trabalho importantíssimo – não é por nada. Mas é que tenho muitas contas e impostos e taxas a pagar, mês a mês. E lendo o noticiário sobre a facilidade do dinheiro chegando nas mãos dos caras, sem querer notei que – puxa! – estou enganada! Alguém aí deve ter muito sobrando, porque se dão para os tais caras que estão puxando cadeia por corrupção, colaborariam para minha nobre causa. Também sou guerrilheira pela liberdade, injustiçada pela sociedade.
Estava aqui pensando e escrevendo. Aliás, passo os dias fazendo isso, lendo, pensando, escrevendo. Nas horas vagas, além das lides domésticas, devendo; pensando em como pagar tanta coisa mês a mês, como imagino grande parte de meus pares nesta folia. Todo mundo que conheço está devendo, nem que seja alguma explicação.
Pensava nisso quando soube que internautas estavam organizando uma vaquinha – expressão que em menos de um mês virou é carne de vaca – para ajudar o dono de um fusca queimado na manifestação contra a Copa, em São Paulo. Aquele pobre coitado, na hora errada, no lugar errado, e que podia ter morrido queimado com toda a sua família, num mal explicado acidente com um colchão. Afinal, o carro pegou fogo porque passou no colchão queimando ou o colchão queimando tentou pegar carona no carro? Ou: o que fazia um colchão queimando em pleno centro da cidade? Participava da manifestação? Depois todo mundo vira anjinho. Não fui eu. Foi ele. A sequência de atos que culminou com o menino baleado por três policiais foi totalmente mal explicada. Dos dois lados, antes que venham me descer o cacete, que agora está assim. Você não pode mais ter opinião própria – tem de agir junto com a manada. Coincidência: de vacas. Não é meu caso. Meu curral sou eu quem faço.
Enfim, certa de que meu apelo surtirá efeito, prometo: assim que tiver meu computador novo continuarei a escrever, escrever, escrever. Respondo até aos emails de fim de semana, que agora está impossível de fazer, a não ser laconicamente.
Se você aí é meu leitor vai me ajudar, se puder. Se não, saiba, tudo bem também. Não tenho medo de trabalho, nem de por a mão na massa. Uma hora ou outra conseguirei comprar o que quero, além de pagar as contas do dia a dia.
Senão vou ter que ficar fazendo o quê? Brincando de vaca amarela. Lembra?
…”Vaca amarela pulou a janela /Fez cocô na panela/ Mexeu, mexeu, mexeu /Quem falar primeiro come todo o cocô dela /Um, dois, três, cala a boca japonês/Chinês, fecha os olhos de uma vez”…
São Paulo, estranhamente tensa e quente.
* Jornalista – Não sei se contei, mas antes, quando podia viajar, adorava fotografar vacas. Sempre as achei muito expressivas. Só agora descobri que eram melhores que os porquinhos para dar dinheiro.
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