Drogas (Parte 2)
sex, 1 de agosto de 2014 00:00
10 – A paranoia é um efeito terrível da cocaína. O indivíduo cheira e entra numa crise persecutória alucinante. O que leva alguém a usar uma droga sabendo que irá provocar uma sensação medonha e que nenhum prazer oferece?
Essa é a essência da dependência química de uma droga. Primeiro aparece o efeito prazeroso e, depois, o desprazer. Com a cocaína, isso é mais intenso. Seu efeito de excitação e de prazer é imediato, ocorre em poucos segundos. Alguns minutos depois, desaparece e surgem os efeitos desagradáveis. Confrontando os dois, prevalece a lembrança dos bons momentos e a pessoa volta a usar a droga. Tive um paciente que injetava cocaína. Suas veias tinham sumido, mas mesmo assim ele não desistia. Expunha-se ao tormento de dezenas de picadas para obter um único resultado positivo que, em sua balança emocional, compensava o sofrimento anterior. Os fumantes têm comportamento parecido. Muitos, mesmo com traqueostomia, não deixam de fumar.
11 – Conheci alguns que, apesar da insuficiência vascular cerebral, ficavam tontos e caíam no chão quando fumavam, mas não desistiam e logo depois acendiam um cigarro outra vez, porque disso?
É a força da dependência, um fenômeno diversificado cuja essência é a disfunção cerebral provocada por várias drogas e que se manifesta em pessoas de personalidades diferentes.
12 – O usuário de cocaína diz que deixará de usar a droga quando quiser. No entanto, admite que não poderá vê-la, porque entrará em desespero e a vontade de consumi-la ficará incontrolável. Como se pode explicar esse fenômeno?
Ficar longe da droga, quando se está disposto a abandoná-la, faz parte do processo de aprendizado. No exato instante em que a pessoa vê a cocaína, seu cérebro começa a preparar-se para recebê-la e dispara um mecanismo que chamamos de craving ou fissura. Isso vale para qualquer droga. Depois que ficou dependente, é quase impossível alguém ver a droga e resistir ao desejo de usá-la. Por isso, na fase inicial do tratamento, aconselha-se que o usuário se afaste completamente de todos esses estímulos, pois ficará menos difícil lidar com o fenômeno da dependência química.
13 – A maconha também pode provocar paranoia?
É menos comum, mas casos de paranoia também ocorrem especialmente em pessoas que apresentaram algum problema mental. Quem tem um surto psicótico e fuma maconha, por exemplo, faz um péssimo negócio, porque se intensificarão os sintomas dessa doença estabelecidos anteriormente.
No que se refere à cocaína, nem todos que manifestam esses sintomas desenvolverão a síndrome paranoica. No entanto, quando isso acontece, as consequências são desastrosas. Soube de um usuário de cocaína que, em crise, saiu em disparada por uma estrada, foi atropelado e morreu. Há outros que pegam uma arma e disparam.
14 – Muitos usuários garantem que a maconha é uma droga fácil de largar, que não causa dependência. Isso é verdade?
Cada droga tem um perfil de dependência, e a maconha não é muito diferente das demais. Como foi dito, atualmente ela está dez vezes mais forte do que era há 30 anos. Por isso, não é tão fácil afastar-se dela, principalmente se a pessoa começou a fumar na adolescência, quando ainda era um ser em formação.
O acompanhamento de usuários de maconha, em diversos centros de referência como no ambulatório da Escola Paulista de Medicina, sugere exatamente o contrário. As pessoas conseguem suspender o uso da droga durante alguns dias, mas a vontade fica incontrolável e elas voltam a fumar os baseados.
15 – Muitas vezes os pais ficam apavorados quando encontram maconha nos pertences dos filhos. Como você orienta quem vive esse problema?
Na verdade, maconha é a primeira droga ilícita que a pessoa consome, mas antes disso, em geral, experimentou o álcool e o cigarro. Não se discute mais que, quanto mais cedo o adolescente entrar em contato com a droga, maior será a probabilidade de “escalar”, isto é, de partir para outras drogas ou intensificar o uso da maconha. É muito difícil prever quem vai ou não embarcar nesse processo. Sabe-se, porém, que quanto mais amigos envolvidos com drogas ele tiver, maior risco correrá do uso tornar-se crônico.
O primeiro passo para enfrentar a situação é os pais se informarem sobre o que está acontecendo na vida dos filhos e voltarem a exercer controle mais efetivo sobre suas atividades. Em geral, esse problema reflete uma certa crise familiar. Por razões diversas, pais e filhos se distanciaram. Por isso, a estratégia básica é levar ao conhecimento dos pais o que está acontecendo com seus filhos e os riscos que eles correm.
Quanto ao adolescente, é complicado conversar sobre esses riscos. A tendência do jovem que se envolveu com maconha é minimizá-los ao máximo. “Que mal existe em fumar um baseado por semana?” é a pergunta que muitos fazem. Acontece que, na maioria das vezes, quem começou precocemente, no período de seis meses, estará fumando um baseado por dia.
Na entrevista clínica, não dá para antever o caminho que individualmente, será percorrido no mundo das drogas. Quem teve o desprazer de acompanhar um adolescente numa entrevista, tranquilizar os pais, dizendo – “Olhem, ele só está usando uma vez por semana. Essa é uma experiência pela qual ele deve passar.” – e, depois de dois anos, ver esse jovem totalmente deteriorado, traficando drogas, fica muito preocupado com o momento certo em que deve interferir. Esse é o desespero dos pais e o dilema dos profissionais: agir na medida exata da necessidade de cada caso. Nem todos precisam de tratamento, mas não se pode deixar escapar aqueles para os quais o acompanhamento clínico é indispensável.
16 – Em que você se baseia para julgar se um garoto, que afirma fumar maconha a cada dois meses, representa risco de tornar-se um usuário crônico?
É preciso estar atento a três fatores que, combinados, são sinais de alerta e requerem algum tipo de acompanhamento. O primeiro é atitude por demais tranquila do adolescente que considera a maconha inofensiva e destituída de inconveniências. Depois, é importante considerar a rede social em que está inserido. Os amigos com quem convive são usuários da droga? Por último, deve-se avaliar seu desempenho nas atividades cotidianas. É o caso do bom aluno até os 13 anos, que foi perdendo o interesse pela escola e não reage mesmo diante da ameaça de perder o ano.
17 – Você acha que um dia aparecerá uma droga cujo mecanismo de ação se encarregue de nos deixar felizes sem provocar malefícios no cérebro?
Não acredito. Fica muito difícil imaginar uma droga que aja só no centro de prazer sem perturbar os demais mecanismos bioquímicos do cérebro, que é um órgão complexo e evolutivamente preparado para vivenciar muitas formas de prazeres sutis. Para tais estímulos, está aparelhado. Para os advindos das drogas, não.
18 – Você não acha que o homem está sempre à procura do prazer total?
A busca do prazer é uma característica positiva do ser humano. No caso das drogas, porém, ao querer superar a própria biologia por um artifício grosseiro, ele acaba se empobrecendo. O desejo de intensificar o prazer ao máximo empurra o homem para uma guerra que jamais será vencida.
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