Dor de cabeça (Parte I)
sex, 30 de maio de 2014 00:00
1-O povo considera dor de cabeça um sinônimo de enxaqueca. O que justifica essa confusão?
Talvez porque enxaqueca seja a dor de cabeça que mais aflige e chama a atenção em virtude dos sintomas que a acompanham – intolerância à luz, ao barulho, vômitos, mal-estar geral – a palavra tenha-se transformado em sinônimo de dor de cabeça.
Enxaqueca é apenas um dos tipos de dor de cabeça e manifesta-se mais nas mulheres (80%) do que nos homens (20%). Na realidade, foram descritos quase 200 tipos diferentes. O mais frequente é a cefaleia tensional episódica, a dor de cabeça comum que todo o mundo tem de vez em quando e não procura o médico por causa disso, e o pior deles, a cefaleia em salvas.
2-Existe alguma razão para as mulheres serem mais vulneráveis à enxaqueca?
A teoria é que, sob o ponto de vista dos hormônios sexuais, o cérebro do homem funciona sempre na mesma toada: só produz testosterona. Quanto ao das mulheres sofre duas modificações no mês. Durante quinze dias, produz estrógeno e, nos outros quinze, progesterona. Essa mudança constante afeta o sistema límbico, ligado às emoções, à memória e a substâncias que interferem na produção dos hormônios sexuais. É provável que essa seja a causa de as mulheres serem mais vulneráveis à incidência de enxaqueca. A enxaqueca em salvas, que tem sua origem no hipotálamo, em 80% dos casos atinge mais os homens.
3-O que é o sistema límbico e por que nesse local do cérebro está a origem da enxaqueca?
Assim como existe um cérebro pensante, existe um cérebro motor, que ouve, enxerga, tem memória. Todas essas divisões têm de estar em consonância entre si. Para que isso aconteça, é necessário existir uma espécie de computador central para reuni-las. Esse computador é o sistema límbico constituído por um mecanismo eletroquímico, que funciona através de conexões estabelecidas por substâncias chamadas neurotransmissores (neuro, porque pertencem ao sistema nervoso, e transmissores, porque são substâncias que uma vez elaboradas vão promover o funcionamento das mais diversas estruturas).
O sistema límbico coordena todos os neurotransmissores: a serotonina, a noradrenalina (geradora das crises de enxaqueca), a acetilcolina, a prostaglandina e a dopamina, entre outros. De sua organização funcional equilibrada resulta o funcionamento harmônico cerebral e corporal. Sob essa ótica, pode-se dizer que o hipocondríaco é um indivíduo que apresenta mal funcionamento do sistema límbico, má organização dos neurotransmissores e que, possuidor de uma sensibilidade exagerada, manifesta os mais diversos sintomas. Em vez de ser digno de pena ou de críticas, ele deve ser tratado por um neurologista que entenda do processo de neurotransmissão.
4-Em que idade a enxaqueca se instala com mais frequência?
No nascimento. Enxaqueca não é dor de cabeça. É uma síndrome com no mínimo 60 sinais e sintomas dos quais a dor de cabeça é apenas um deles. Por isso, na infância eles podem começar a aparecer. É o caso das crianças que choram sem motivo aparente, sentem dores abdominais inexplicáveis, dores nas pernas chamadas erroneamente de dores do crescimento, têm crises de asma ou bronquite que saram espontaneamente antes da puberdade, distúrbios de humor, terror noturno, manchas roxas nas pernas que surgem espontaneamente. Trata-se de manifestações para as quais não se encontra explicação neurofisiológica e a criança, a partir dos seis ou sete anos, começa a queixar-se de dores de cabeça que se vão avolumando até se tornarem insuportáveis na vida adulta.
5-Nas crianças, esses sintomas ocorrem obrigatoriamente?
São obrigatórios. Se for feito um interrogatório retrospectivo a um portador de enxaqueca, encontraremos menção à maioria desses sintomas na infância. Por exemplo, a enurese noturna, que pode ser um problema de fundo psicológico, aparece em 20% dos pacientes com enxaqueca. Depois dos três anos de idade, fazer xixi na cama pode ser considerado patológico, mas 20% dos enxaquecosos urinam na cama até 12, 18 anos de idade, muitas vezes até depois de adultos, porque um descontrole do sistema límbico, da consciência e da bexiga provoca um relaxamento e a bexiga esvazia sozinha durante o sono.
6-Quais as principais características da cefaleia provocada pela enxaqueca?
Na criança, a crise de enxaqueca pode durar de cinco a dez minutos; no adulto, de 4 a 72 horas. A dor pode manifestar-se em apenas metade da cabeça ou na cabeça inteira. Geralmente é uma dor latejante, acompanhada de intolerância à luz, cheiros, barulhos e ao movimento. Todos os sentidos ficam exacerbados durante a crise e qualquer estímulo extra constitui um tormento para o paciente que procura recolher-se num lugar escuro e quieto.
7-Pessoas com enxaqueca podem apresentar perturbações gástricas. Existe relação entre as crises de enxaqueca e certos distúrbios do aparelho digestivo?
Nas crises de enxaqueca, há a liberação de noradrenalina e de dopamina. A noradrenalina chega a levar horas para promover o aparecimento de substâncias inflamatórias nas artérias do couro cabeludo – na verdade, o que dói na enxaqueca são exatamente essas artérias que apresentaram o processo inflamatório. A dopamina, ao contrário, provoca sintomas gástricos imediatamente, porque fecha a cárdia (válvula do estômago que conecta esse órgão com o esôfago) e o piloro (válvula que conecta o estômago ao duodeno). Consequentemente, o estômago dilata e a pessoa não processa a digestão adequadamente. Esse desconforto causado pela dopamina costuma aparecer antes da dor de cabeça característica da enxaqueca e antes mesmo de surgirem os vômitos.
8-Existem sinais que antecedem as crises de enxaqueca e que ajudam a identificar sua aproximação?
Existem vários tipos de enxaqueca. Os mais importantes são a enxaqueca comum, hoje chamada de migrânea sem aura, e a enxaqueca clássica, ou migrânea com aura, que é bastante rara e representa apenas 1% dos casos.
Na migrânea com aura, existem sinais que preconizam a crise. O paciente tem distúrbios visuais: enxerga pontos pretos ou em ziguezague, somente a metade de um campo, ou fica cego de um dos olhos. Além disso, sente formigamento em um dos lados da boca, na metade da língua ou num braço e diminuição da força muscular. Esses sintomas duram de 10 a 30 minutos, cessam de repente e dão lugar a uma dor de cabeça tão forte que o indivíduo, que a sente pela primeira vez, imagina estar tendo um derrame ou ficando cego.
Na migrânea sem aura ou migrânea comum não existem esses fenômenos neurológicos e os sintomas que antecedem a crise dolorosa são mais tênues: sensação de fome, de empachamento no estômago, vontade de comer doces (porque há queda da serotonina), mudança de humor e mal-estar generalizado. Na verdade, a pessoa que sofre desse tipo de enxaqueca só percebe a aproximação da crise, quando a dor se instala e vai crescendo de intensidade até ficar muito forte.
9-Qual é o momento certo para tomar analgésicos?
Se a pessoa tem poucas dores de cabeça, uma ou duas crises de enxaqueca por mês, o ideal é tomar analgésico assim que pressente o início do processo doloroso. Agora, se as crises ocorrem 10 ou 15 vezes por mês, não se deve tomar analgésico algum. Por quê? Porque no sistema nervoso central (SNC) existem células que produzem substâncias que combatem a dor, chamadas de endorfina. O uso repetido de analgésicos atrofia o sistema produtor dessas substâncias e o paciente é obrigado a aumentar as doses de analgésicos, porque a dor de cabeça se torna cada vez mais intensa. Por isso, quando recebo alguém que está tomando analgésicos todos os dias, suspendo a medicação, pois é preciso desenvolver sua defesa natural para ajudar a combater a dor.
10-Por que se pede que os portadores de enxaqueca elaborem um relatório diário a respeito de suas crises e sintomas?
O cérebro do portador de enxaqueca recebeu uma herança genética que, sob determinados estímulos, condiciona o aparecimento de uma descarga noradrenalina, neurotransmissor responsável pela liberação de substâncias inflamatórias que causam a dor. Como o tratamento da enxaqueca é cheio de nuances, uma medida fundamental é pedir ao paciente que preencha um relatório diário sobre suas crises e sintomas, a fim de caracterizar perfeitamente o quadro, pois não basta controlar as crises dolorosas. É preciso cuidar de todas as manifestações da síndrome: labirintite, distúrbios do sono ou viscerais, pesadelos, dores de estômago etc.
Pacientes com enxaqueca apresentam, no mínimo, meia dúzia de sinais e sintomas que acompanham a dor. Se forem apenas ministrados analgésicos e remédios para agir sobre os neurotransmissores que provocam a crise, as dores melhoram, mas o paciente não fica curado.
11-Existem tratamentos preventivos para a enxaqueca?
Não só existem tratamentos preventivos, como a enxaqueca pode ter cura. Na realidade, há três possibilidades de tratamento. Numa primeira fase, é admissível prescrever analgésicos, se a pessoa tem uma ou duas crises não muito fortes nem muito prolongadas de dor de cabeça por mês. Na fase seguinte, o indicado é introduzir medicamentos preventivos que atuem diretamente sobre os neurotransmissores, pois em sua produção pode estar ocorrendo um erro para mais nos níveis de noradrenalina, ou para menos nos de serotonina. Antidepressivos, por exemplo, produzem aumento nos níveis de serotonina o que ajuda a diminuir a frequência e a intensidade das crises. A cura da enxaqueca, porém, está ligada à terceira fase do tratamento que visa ao combate de todos os sinais e sintomas que acompanham a dor de cabeça, mais novidades na próxima edição.
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