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Coluna: Furando a bolha (23/06)

qua, 23 de junho de 2021 16:53

por Leandro Alves de Melo

NOSSAS URNAS ELETRÔNICAS SÃO SEGURAS?

As eleições para prefeitos e vereadores de 2020 colocaram novamente em pauta a velha discussão sobre a probidade e segurança do nosso sistema eleitoral.

Como sempre, mentiras foram espalhadas e contaminaram o debate.

Desde 2018, o próprio Presidente da República vem alegando, categoricamente, existir fraude em sua eleição e que teria vencido seguramente em primeiro turno.

Para início de conversa, nossas urnas e o nosso sistema eleitoral atualmente é um dos mais modernos do planeta. E respondendo à pergunta: é sim extremamente confiável. Nunca, em vinte anos de uso intensivo das urnas, foi comprovada alguma fraude que pudesse contaminar o sistema eleitoral ou a credibilidade de alguma votação para cargo eletivo.

Frequentemente, nas eleições, a OAB, a Procuradoria da República, os partidos políticos e eleitores interessados acompanham testes públicos para descobrirem se há alguma fragilidade no sistema. Nunca foi descoberto algo que corroborasse essa tese. É válido ressaltar que a urna não tem conexão com a Internet. O seu desenvolvimento foi realizado em tempos jurássicos da web, portanto, não existe hardware dentro dela que permita essa conexão.

O fato de não haver impressão do voto é outro ponto sempre elencado, ora, em toda seção eleitoral a urna imprime a zerésima: o comprovante de que o aparelho não teve nenhum voto registrado, e no final da seção é impresso um documento denominado boletim de urna, no qual contém várias informações que certificam a lisura do processo, sendo eles: total de eleitores que podem votar, total dos votantes presentes, código de verificação da urna, etc.

O que ocorre é a existência de narrativas com interesses escusos para atacar o sistema democrático.

Em todos os países onde a democracia começa a ruir, um dos primeiros pilares a ser atacado é o sistema de votação. Dessarte, nos EUA, o ex-presidente Trump tentou com centenas de ações tumultuar o processo eleitoral. Apesar de alguns estados do território norte-americano ter o sistema digital, a maioria ainda utiliza cédulas de papel, e qual a narrativa empregada à época pelo candidato? A de que o voto em papel não é confiável e por consequência facilmente manipulável. Trump perdeu todas as ações. Inclusive até mesmo os Ministros indicados por eles para a Suprema Corte votaram contra sua tese golpista. No Brasil, a narrativa é que voto eletrônico não é confiável e não pode ser conferido. Ambas mentirosas.

Em partes até concordo, é muito mais fácil manipular papel se comparado a um sistema fechado e extremamente capcioso como o nosso. Entretanto, ainda assim não foi encontrado nenhum registo de fraude sistemático no processo eletivo americano. Apenas alguns casos isolados, que não significam nada em números absolutos.

Sendo assim, acredito ser muito perigoso esse discurso que ataca ferozmente a credibilidade de nossas urnas. Jair Bolsonaro diz ter provas materiais sobre fraude da eleição. Por que não as apresentou ainda? Como autoridade máxima da República, no primeiro dia em que recebeu essas provas tinha a obrigação legal e moral de apresentá-las.

É bom ressaltar, fake news ou notícias inventadas não são consideradas provas materiais. Uma das mais compartilhadas nas eleições de 2018 foi que se você apertasse o número de um candidato mostraria o de outro no visor da urna. Mentira já desmentidas dezenas de vezes. Outra, muito popular, abordava o Brasil, a Venezuela e Cuba como os únicos países a usarem o sistema eletrônico; também contestada por todos os órgãos sérios. Na verdade, Índia, Canadá, Austrália, França e mais 40 países empregam o modo eletrônico.

Em vista disso, não sou da opinião de que esse assunto deve ser embargado, como se não pudesse ser discutido. O aprimoramento sempre é necessário. Não obstante, voltar ao papel, ou mesmo imprimir o voto pela urna são soluções capazes de violar severamente o sigilo constitucional do voto, é retroceder na garantia de uma eleição limpa e no respeito do direito de sufrágio assegurado pela constituição.

Caso existam provas concretas de nosso sistema ser falho e manipulável, quem acusa tem o ônus de provar. O que não podemos fazer é descredibilizar um dos sistemas mais modernos e respeitados do mundo, apenas por medo das vozes das urnas não serem aquelas que o candidato gostaria que fossem.

Para aqueles que anseiam pelo voto de cabresto, isso não voltará acontecer. A marcha inevitável da evolução das sociedades e do iluminismo não permitirá a busca pelo status quo ante. A nossa democracia vencerá e resistirá a qualquer ataque. Os democratas estarão vigilantes, independentemente do espectro político que estejam.

 

Nota do colunista: Gostaria de expressar minha solidariedade aos parentes e familiares das 500 mil vidas perdidas por essa terrível pandemia. Um dia, quando olharmos para trás, veremos essa marca de sangue e pavor indelével da nossa história. Responsabilidades serão apuradas e os culpados um dia pagarão. Isso não ficará impune. É inevitável.

3 Comentários

  1. Joaquim Militão disse:

    Leandro Melo,
    Parabéns pela matéria. Nossa democracia já é muito fragilizada do ponto de vista da cidadania, pois na vida real as oportunidades não são iguais para todos. Querer fragiliza-la também do ponto de vista eleitoral ainda mais sem provas como faz o irresponsável Presidente da República já é o extremo da baixaria.

  2. Tânia Maria Alves Helou disse:

    Excelente matéria! É inaceitável que o presidente continue a espalhar mentiras, calúnias, injurias e fique por isso mesmo. Foi eleito a base de fake news, governa por fake news, e planeja continuar a atormentar o país com essas mentiras estapafúrdias. Se fosse verdade deveria ter provado no primeiro dia de governo, mas não tem, é só mais um joguinho desse inominável. Parabéns Dr. Leandro Alves!

  3. Charles Araújo disse:

    Aqui na Europa, vimos dois países acontecer o mesmo. Polônia e Hungria que são dominadas pela extrema direita começou a atacar o sistema democrático. Infelizmente em 2018 acreditei que o Bolsonaro era um democrata e iria colocar o país no eixo. Mas em 2019 já vi que foi um grande erro. Aqui na europa, especialmetne nos países do bloco, nunca vi alguém ser tão mal visto como ele..
    Parabéns para o excelente texto do Leandro. Sempre com textos bacanas.

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