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Coluna: Furando a bolha (07/07)

qua, 7 de julho de 2021 08:18

Meio Ambiente (Vol. 2)

por Leandro Alves de Melo

A Constituição Federal redigida em 1988, dá ao poder público a tarefa de defender e preservar o Meio Ambiente para as gerações atuais e futuras. Em 1992, foi criado então o Ministério do Meio Ambiente (MMA) com o papel promover a proteção, a recuperação do meio ambiente e o uso sustentável dos recursos naturais. Não podemos negar, poucos países têm uma legislação ambiental tão ampla quanto a brasileira. Mas na prática, a realidade é outra. Um estudo global lançado em 2019 pela Organização das Nações Unidas, chama atenção para as falhas na aplicação das leis no nosso país: “A implementação das leis ainda é fraca”.

Apesar da criação do MMA, esta área nunca foi prioridade em nenhum governo brasileiro. Em 1995, durante a implementação do Plano Real, ocorreu o maior pico de desmatamento na Floresta Amazônica, fato que está diretamente relacionado a expansão da agricultura no país. Entre 2002 e 2004, o Brasil se tornou o maior produtor de soja do mundo, mas junto com o crescimento agroindustrial, foi registrado além do aumento da taxa de desmatamento na Amazônia, invasão de terras indígenas, e o avanço do desmatamento em outros biomas brasileiros como Cerrado e Pantanal.

A partir de 2005, após grande pressão da sociedade civil e do mercado internacional, algumas medidas foram implementadas a fim de coibir a devastação irrestrita e irresponsável dos biomas. Houve aumento das fiscalizações ambientais e aprovação de um acordo conhecido como Moratória da Soja, firmado entre o governo brasileiro, organizações não governamentais (ONGs) e a iniciativa privada. Nesse acordo ficou definido a não comercialização da soja proveniente de áreas que tivessem sido desmatadas dentro da Amazônia Legal. As medidas de repressão do governo no período 2004-2007, refletiram na queda do desmatamento na Floresta Amazônica. Essas medidas se tornaram mais eficazes no período de 2008 a 2012 quando a queda de desmatamento continuou apesar da expansão da agricultura e agropecuária. A partir de 2012 a taxa de desmatamento aumentou, mas ganhou velocidade novamente em 2018.

Nos últimos dois anos, tivemos o pior cenário já visto desde a criação do MMA. Pela primeira vez temos um governo que tem ações e uma retórica anti ambiental. A atuação do governo Bolsonaro em relação ao Meio Ambiente entrará para a história como a mais devastadora que o Brasil já teve. Em dois anos e meio vimos sucessivos cortes no orçamento do ministério; o desmonte dos mecanismos de punição aos criminosos ambientais; a tentativa de modificar a legislação ambiental como a Lei da Mata Atlântica e o estabelecimento de Áreas de Preservação Permanente; além da transferência de poderes do Ministério do Meio Ambiente para outros ministérios.

O agora ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, disse que essas medidas buscam “modernizar” as normas regulatórias. Inclusive, se aproveitou do momento delicado causado pela pandemia e sugeriu em reunião ministerial que “precisamos ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa porque só se fala em Covid e ir passando a boiada”. Na verdade, a boiada segue passando desde 2019, antes mesmo da pandemia acontecer. E como resultado podemos citar os recordes nas taxas de desmatamento e queimadas no Pantanal e Amazônia; avanço da mineração em terras indígenas; paralisação da verba do Fundo da Amazônia (feita sem consulta aos dois principais países financiadores, causando problemas diplomáticos ao Brasil). Outra estratégia adotada pela gestão Salles foi o ataque ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), responsável por monitorar o desmatamento da Amazônia quase que em tempo real. O instituto de pesquisa tem reconhecimento internacional devido a qualidade de informações geradas, que são utilizadas por cientistas de vários países. No final de 2020 foi anunciado um corte no orçamento do INPE, que impedirá a utilização de satélites que monitoram a Amazônia e auxiliam os órgãos de fiscalização. Se não tem fiscalização, não tem desmatamento, não é mesmo?

Embora as ações realizadas durante a gestão de Salles não tenham incomodado o governo federal, a repercussão nos meios de comunicação foi grande, gerando revolta e pressão da sociedade civil, ONGs, iniciativa privada e até mesmo pronunciamentos e repressão de presidentes de outros países. Depois de muito estrago Ricardo Salles deixa o ministério sendo investigado por crimes de advocacia administrativa, obstrução de investigação, formação de quadrilha e participação em um esquema de exportação ilegal de madeira. Pouco temos a comemorar com sua saída. Quem assume a pasta é Álvaro Pereira Leite, que foi conselheiro por mais de 20 anos da Sociedade Rural Brasileira e durante a gestão de Salles ocupou a Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais. Ou seja, não vai fazer a menor diferença. A saída do pior ministro do Meio Ambiente da história brasileira não significa mudança para melhor, uma vez que a estratégia de regulamentar os crimes socioambientais parte do governo federal. Se a orientação continuar a mesma, nada muda com essa troca.

Para uma parcela da população, toda essa conversa é exagero. Afinal a Amazônia é tão grande, um pouco de desmatamento não vai fazer diferença nenhuma. O fato é que a Floresta Amazônica representa um terço das florestas tropicais do mundo, e desempenha papel imprescindível na manutenção de serviços ecológicos, garantindo a qualidade do solo e dos estoques de água doce; proteção da biodiversidade; além do fato de funcionar como armazéns de carbono, auxiliando na manutenção do equilíbrio climático. Além da importância ecológica da Amazônia, diversos estudos científicos garantem que a floresta em pé gera emprego e renda. O futuro da floresta depende do desenvolvimento industrial a partir da biodiversidade, sistemas agroflorestais e restauração de áreas desmatadas, cultivos de espécies de valores econômicos. Para que isso vire realidade, precisamos urgentemente que o governo brasileiro aposte numa economia baseada em biodiversidade, tecnologia e inovação. Além de clara informação, não custa nada frisar: a biodiversidade brasileira vale muito mais do que gado e soja.

 

Mariana Ferreira Alves

Professora e Doutora em Biologia

 

Nota do colunista: Agradeço imensamente a colaboração da Dra. Mariana Ferreira Alves. Na próxima semana falarei a respeito do Instituto Nacional do Seguro social (INSS). Até lá!

5 Comentários

  1. Joaquim Militão disse:

    Este tema teria que receber uma atenção responsável por parte sobretudo por parte do governo federal. O que estamos vendo é o contrário.

  2. Lucas Gustavo disse:

    Parabéns pela coluna Dr. Leandro. Pra mim essa coluna está no nível de cidade bem grande mesmo..Seus textos são fantásticos e os de seus convidados também. Todos com muita propriedade. Sabem o que falam. Agora toda quarta eu passo aqui pra

  3. ADILSON MARTINS disse:

    Ótimo texto.. muito bem explicado.. parabéns!

  4. Tânia Maria Alves Helou disse:

    Excelente abordagem. Infelizmente, vivemos o pior momento do país em todos os sentidos, os ministros desse governo são antiministros, tudo que fazem vai contra o princípio de cada ministério, com o meio ambiente é um desastre, por isso é tão importante esse tipo de artigo. Parabéns a Dra Mariana Alves

  5. Amanda disse:

    Que texto elucidativo.
    Meus parabéns Dra. Mariana, soube expor através da verdade a da ciência o que vem acontecendo com o nosso meio ambiente.

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