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Coluna: Cantinho do Mário (04/06)

sáb, 4 de junho de 2022 08:36

CANTINHO DO MÁRIO

RECOMEÇO

Maurício vagava pelas ruas da periferia daquela cidadezinha como um cachorro perdido, digno de lástima, todo sujo e malcheiroso. Quando passava as pessoas lhe viravam as costas, raros os que tinham um pouco de piedade e lhe davam algo para comer ou mesmo alguns trocados. Afinal, ali era um lugar pobre, poucos eram capazes de dividir o pouco que tinham. Dormia ao relento e tiritava de frio, foi quando chegou àquela casinha humilde, toda fumarenta, e sentiu um cheiro bom de comida vindo daquele fogão a lenha. Aproximou-se cauteloso e bateu palmas, saiu um senhor de cor negra e com cabelos brancos (que parecia ser muito idoso). O jovem timidamente pediu ajuda, foi convidado a entrar e se assentar em banco tosco. Recebeu um prato de sopa que caiu como um bálsamo em seu estomago vazio. O senhor se apresentou como Sô Zezinho. Perguntou ao jovem o motivo de tanta penúria. O rapaz em lágrimas lhe contou que se desentendeu com o pai e havia saído de casa há uns três anos, tudo porque andava em más companhias, logo cedo aprendeu o uso de drogas e que entre aquelas pessoas que andavam em sua companhia, uns morreram por overdose e outros estavam presos, não sobrou ninguém. Ele roubou para viver, mas nunca não fez mal a ninguém. Seu Zezinho ouviu as lamúrias de Mauricio em silencio e o aconselhou a procurar um local de ajuda a dependentes químicos, procurou um papel surrado e com um pedaço de carvão lhe escreveu um endereço e tiveram uma longa conversa, Mauricio saiu rejuvenescido e decidido a mudar de vida. Antes dele partir, Sô Zezinho falou: “Fio, disse um homem bom, que se você não pode desfazer o que fez no passado, faça um novo futuro. ” O rapaz tomou seu caminho com o coração cheio de esperança. Oito anos depois, parou um automóvel na porta do casebre, desceu um jovem bem vestido, bateu palmas e sentiu aquele cheirinho de sopa em meio a um mundão de fumaça. O mesmo Sô Zezinho saiu a porta e o abraçou. Conversaram longamente, e o Mauricio para não perder o costume falou ao idoso seus planos de se casar e perguntou o que ele achava, com um grande sorriso, Sô Zezinho colocou a destra em seu peito, em cima do coração e disse: “-Pergunte a ele. ” Cinco anos depois o jovem voltou ao lugar acompanhado de sua família, esposa e dois lindos filhos. Procurou por Sô Zezinho e ninguém conhecia, até que encontrou uma senhora bem idosa que lhe informou: “Meu jovem este senhor foi um dos últimos escravos libertos. Morou aqui até o ano de 1908 quando faleceu. ” Sua casa é mantida como patrimônio pela prefeitura, devido a sua dedicação e amor pelas criaturas em geral, dizem que curou muita gente com chás e benzições, repartia o pouco que tinha com todos que o procuravam, é considerado um santo, pelos mais antigos aqui existe uma pequena romaria. ” Mauricio com os olhos marejados de lágrimas lhe contou sua história, a senhora sorriu e lhe disse vai com Deus meu filho, você aprendeu a lição. Ele elevou suas mãos para os céus e disse “-Deus existe. ” Sua esposa o olhou curiosa e ele nada falou. Não entendia o que havia acontecido. Seria um milagre? Quando se afastava, olhou pelo retrovisor, pareceu-lhe ver um negro idoso e alquebrado recebendo alguém em sua casa, pensou consigo: deve ser uma ilusão.

MÁRIO FERREIRA:

 

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