Coluna: Furando a bolha (28/08)
sáb, 28 de agosto de 2021 12:18Queridos Araguarinos, escrevo do meu leito, em casa, onde me encontro, após dias de tratamento intensivo num hospital para a recuperação da infecção pelo COVID-19.
Foram 15 dias dificeis, exaustivos e intensos. Uma variante nova. Ainda sem nome, segundo as autoridades sanitárias competentes do municipio de Uberlândia.
Certo é que, após 4 dias de sintomas gripais tive um comprometimento viral de 25% de meu pulmão, o que exigiu intervenções rápidas e assertivas do meu médico/amigo Dr. Vinicius Costa, a quem aproveito para agradecer publicamente.
Fui infectado em outubro de 2020 com sintomas gripais leves. Na primeira semana de julho tomei a primeira dose da vacina pfizer. No dia 11 de agosto iniciei meus primeiros sintomas de reinfecção, sendo levado à internação no dia 15 de agosto.
Quero neste artigo, aproveitar o espaço que me foi, tão gentilmente me cedido pelo grande advogado, Dr. Leandro Alves de Melo – a quem me atrevo chamar “meu amigo” – relatar sobre a necessidade de um acompanhamento afetivo e emocional que urge em nosso contexto atual.
Aliás, após ter cuidado emocionalmente, voluntariamente, de mais de 400 famílias acometidas pelo COVID-19, sobretudo no período pós alta médica, onde os pacientes se sentem totalmente sozinhos e vulneráveis e contam com pouquíssimo apoio do Estado.
Das mais de 400 familias que asssiti, 50% perderam entes, amigos, conhecidos para a doença.
Eu perdi alunos da minha escola de teologia. Eu perdi pacientes da minha clínica psicanalítica. Eu perdi amigos de uma vida inteira. Eu perdi com quem perdeu. E como seguir adiante, se o caos ainda nos apavora?
Mas é inegável que tudo isso nos trouxe uma grande lição: somos impermanentes e precisamos aprender a viver encarando de frente nossa finitude. Saber-se e sentir-se finito não é mórbido, pelo contrário: permite protagonismo. É ter inteligência emocional, pois nos dá consciência sobre as escolhas, encarando tal perspectiva.
Todo ponto final estrutura uma frase. A morte dá contorno e sentido à vida. Quantos de nós, ao temer o contágio pelo coronavírus, passaram a valorizar mais a própria vida?
Sob esse aspecto, encarar a finitude como uma certeza sem data marcada nos convida a adotar medidas de proteção contra a Covid-19, que vão do distanciamento físico ao uso de máscaras, sem nos sentirmos culpados ou inadequados.
Tais sensações vêm da ideia de que prevenção parece atitude na contramão numa cultura como a nossa, baseada em uma estrutura capitalista e que não nos prepara para o momento da morte, o que sabota o nosso viver.
E, com isso, vivemos ansiosos. Com a falsa ideia de que temos que dar conta de tudo. Que precisamos acertar sempre. Que tudo precisa dar certo a todo momento.
Grande bobagem! Ninguém veio a esse mundo pra acertar sempre nem dar conta de tudo. Pro inferno com os que exigem de nós aquilo que não somos nem podemos ser.
É preciso lançar mão da ideia que somos indestrutíveis, morrendo cada dia um pouco sem nos darmos conta dessa finitude. Sua vida faz sentido? Olhe ao seu redor e responda pra si mesmo: Sua vida faz sentido? Seus valores fazem sentido? Suas escolhas fazem sentido? Você já morreu e nem se deu conta porque fez a escolha de viver uma vida média, baseada em escolhas medianas, inspirada em pessoas médias.
Quando percebermos já é tarde.
E nada pior que morrer com a sensação de ter tido uma vida medíocre.
A pior morte não é a trágica. Não é a que acontece depois de uma longa enfermidade. A pior morte, para quem vai – e isso eu vi, ouvi e senti de perto, é a morte de uma vida vivida tragicamente.
Não é a tragédia da morte que frustra. É a tragédia da vida.
Entre tantas angústias que estamos vivendo, temos a obrigatoriedade de fazer as pazes com a impermanência. Pense nisso como uma chance para você, e como uma homenagem às milhares de vidas ceifadas nessa pandemia.
Que o medo de morrer nos ensine a dignidade de viver, sustentados em valores e motivações que oferecem dignidade à tragetória de cada um.
Não se trata de viver banalizando sofrimentos, mas de escolher seus caminhos, assumindo a potência real de nossas vidas e abrindo mão da ilusão de controle que nos assola. A vida sempre vai nos apresentar um ponto final.
Só se esqueceram de dizer que, em qualquer época, circunstância, período ou situação, a brevidade é nossa parceira e a finitudade do ser e das coisas é uma verdade escancarada que, apesar de a evitarmos para não ferirmos nossos conceitos de invencíveis e dominadores, precisamos convidá-la à mesa para um café e, olhando em seus olhos, termos a humildade de pedi-lá que nos ensine a perder, a sepultar e a morrer.
A finitude é o que faz de nós “gente”. Que nos faz olhar para o outro e apreciar cada segundo na sua presença porque podem ser os últimos segundos de toda uma vida naquela presença.
E, enquanto nos sentirmos imortais, viveremos presos à ideia de que tudo é plástico, infinito e descartável.
Os tão esperados anos 2000 chegaram para esfregar a tecnologia diante de nós.
Não chegaram as viagens intergaláctias prometidas pelos jetsons nem o teletransporte. Não vieram roupas astronáuticas mas luvas e máscaras.
E nós? Não aprendemos a lavar as mãos, não apreendemos a gostar da nossa própria companhia (liberdade/solidão) e cada vez mais nos achamos invencíveis e desejosos por sermos vistos, ainda que não tenhamos nada para oferecer.
Tomara que a pandemia nos dê, ao menos, uma lição cultural.
*Dedico este artigo aos tantos amigos de Araguari que perdi para o COVID-19 e às suas famílias enlutadas, desejoso que em vossos corações a resignação os reconstrua com dignidade e força.
Ao povo desta Terra, meu amor, respeito e admiração. E FELIZ ANIVERSÁRIO ARAGUARI!
Nota do colunista: Agradeço pelo belíssimo texto de meu amigo Fábio Marinho. Já são 5 anos que o conheço, e posso assegurar que é uma pessoa incrível, de um coração enorme e que faz tão bem para as pessoas. Aproveito o ensejo, e desejo um feliz aniversário para a cidade de Araguari. Que nossa cidade continue na busca inexorável de desenvolvimento e progresso.
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