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Estranho no ninho

qua, 6 de agosto de 2014 00:00

Abertura Ficha Técnica
Aquela voz ainda sussurra em meus ouvidos. Um olhar distante, porém vazio. Sob um rosto esgotado pelas escolhas da vida, um arsenal de hipocrisia invadia um sonho. Um belo filme de Tarantino, uma canção dos Beatles ou um clássico de futebol eram como terapia. E olha que nem vivíamos em tempos de guerra.

Lembro que certo dia, impregnado com o cheiro do carpete velho, decidi respirar o ar livre. Na cidade onde a chuva preferia aparecer mais que o sol, andava pelas ruas como se a água lavasse a alma. O brilho perdeu o sentido quando me vi encharcado por um ônibus gigante.

O caminho rumo ao nada continuava. Em cada esquina, me curvava às diferenças. Numa fração de segundos, deparei com uma placa indicando o maior clássico da região. O jogo seria no dia seguinte, a partir das 11 horas. Não entendia como podiam marcar uma partida em pleno horário de almoço, porém estava fadado à tentação.

Preparei tudo milimetricamente, como num duelo de xadrez. Ao amanhecer, vesti algumas roupas por cima de outras na missão de escapar do frio. O calor ainda me esperava. Andei por alguns metros e ao virar a última esquina, percebi que haviam fechado a via para os torcedores que se retiravam dos bares rumo ao estádio. Não compreendia o que eles gritavam, mas cantava mesmo assim.

Em meio a cavalos monumentais conduzidos por policiais, torcidas rivais percorriam um único caminho. Na entrada do estádio, lembrei que não havia ingresso, tampouco dinheiro para comprá-lo. Sentei defronte àquele cenário. A multidão deu lugar ao vazio, e o único barulho ecoava de dentro. Qualquer voz podia sussurrar em meus ouvidos, em vão.

Na cidade em que testemunhava tudo pelo lado de fora, o futebol me convidou para um sonho. Como Martin Luther King com a esperança entre negros e brancos, ainda voltarei àquele lugar, onde dentro não nascem estranhos no ninho.

O relato do futebol numa esquina qualquer. Foto: Arquivo pessoal
O relato do futebol numa esquina qualquer. Foto: Arquivo pessoal

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*Em 2014, o blog Ficha Técnica completa quatro anos de edição. A todos os colaboradores, a dedicação. Por toda a confiança, a gratidão.
vinheta pj

2 Comentários

  1. Conrado Giulietti disse:

    Já vivi tal emoção, e sei bem o que sentiu.
    Só de ouvir o som do estádio, de imaginar o que estava acontecendo lá dentro, já valeu a pena estar lá.
    Mesmo não estando!

    Abraço.

  2. Verônica disse:

    Eu tenho certeza que vc vai voltar lá!
    Mas com uma nova visão, e não será preciso ficar do lado de fora….rsss
    Boa sorte pra vc!
    Sou sua torcedora número 1 !!!

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