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Coluna: Pergunte ao Doutor (09/09)

qui, 9 de setembro de 2021 11:01

1-Por que os jovens começam a beber cada vez mais cedo?

Sabe-se que o início do consumo do álcool envolve muitas variáveis, entre elas a curiosidade, a busca de sensações agradáveis e influências grupais. Associado a tudo isso, temos uma sociedade na qual o uso de álcool por jovens é habitualmente encarado como algo normal e corriqueiro, mesmo quando realizado de forma prejudicial e de alto risco para o indivíduo. Os “porres juvenis” muitas vezes são encarados como símbolo de entrada no mundo adulto e até glamurizados. Vemos festas de 15 anos onde a oferta de bebidas alcoólicas é abundante e ocorre de forma livre e patrocinada pelos pais do aniversariante. Paralelamente, temos também visto uma redução da idade de entrada na adolescência e da vivência de comportamentos típicos desta fase, tais como ter autorização para sair à noite com amigos, frequentar festas e baladas, entre outros.

 

2-Houve um aumento do consumo de álcool por jovens durante a pandemia?

Uma pesquisa feita pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em 33 países e dois territórios das Américas apontou que 42% dos entrevistados no Brasil relatou alto consumo de álcool durante a pandemia de COVID-19.

Os dados foram coletados entre maio e junho deste ano por meio de um questionário online. Ao todo, mais de 23 mil pessoas com idade superior a 18 anos responderam a questões relacionadas à COVID-19, incluindo medidas de precaução tomadas na vida diária; demografia; impactos negativos na saúde mental; consumo de álcool em 2019 e durante a pandemia deste ano; entre outros. O Brasil teve o maior número de entrevistados, representando 30,8% da amostra total (3.799 pessoas).

A pesquisa mostrou que houve maior prevalência entre os jovens do beber pesado episódico – ou seja, consumir mais de 60 gramas de álcool puro (cerca de cinco bebidas alcoólicas padrão) em pelo menos uma ocasião durante os últimos 30 dias. O crescimento na frequência do consumo de bebidas alcóolicas foi mais prevalente entre pessoas de rendas mais altas. A presença de quadros graves de ansiedade aumentou em 73% a chance de maior frequência no consumo.

Um dos dados mais relevantes é que apesar dos altos níveis de beber pesado episódico e dos riscos de saúde associados, a maioria das pessoas não procuram ajuda, e uma pequena proporção tenta parar por conta própria.

Entre os homens, 73,2% e, entre as mulheres, 81%.

O levantamento mostra que o maior percentual entre os que aumentaram o consumo está na faixa etária de 16 a 24 anos, 24,5%, seguido dos que têm de 25 a 34 anos, 22,4%. Os que dizem não terem aumentado o uso de bebida estão na faixa de 60 anos ou mais, 80,4%, seguido dos com idade de 45 a 59 anos, 79,2%.

No grau de escolaridade, os que têm ensino superior, 79,4%, também disseram que não aumentaram consumo e, no ensino fundamental está o percentual dos que passaram a beber mais, 21,5%

Os maiores consumidores estão nas regiões Norte e Centro-Oeste, segundo a pesquisa, em que 23,2% admitiram aumento do uso de bebida alcoólica. Os que disseram não, a concentração é no Sudeste, 78,6%.

 

3-O consumo de álcool entre jovens na pandemia aumentou? E o suicídio?

O coronavírus está afetando a saúde mental de muitas pessoas. Estudos recentes mostram um aumento da angústia, ansiedade e depressão, especialmente entre os profissionais de saúde. Somadas às questões de violência, transtornos por consumo de álcool, abuso de substâncias e sentimento de perda, tornam-se fatores importantes que podem aumentar o risco de uma pessoa decidir tirar a própria vida.

Vale ressaltar que o aumento da depressão, da violência doméstica e do uso de substâncias afetará as taxas de suicídio, mas é importante conversar sobre o assunto, apoiar uns aos outros nestes tempos de pandemia e conhecer os sinais de alerta de suicídio para ajudar a preveni-lo.

O cérebro do adolescente ainda está em desenvolvimento e os efeitos do álcool são mais nocivos nessa idade, com impacto ainda maior sobre a tomada de decisões e o autocontrole. Estamos falando de uma faixa etária em que o imediatismo é mais evidente e a exposição ao álcool pode ser mais perigosa quando pensamos no risco para o suicídio.

 

4-Que medidas podem incentivar os jovens a beberem menos?

As ações voltadas a esse propósito podem acontecer em diferentes níveis ou contextos. No caso do adolescente, os contextos dominantes são a família, seus pares e a escola, bem como o entorno da comunidade. De modo geral, são medidas preventivas ao uso nocivo do álcool: reforçar com consistência atividades que favoreçam a socialização; promover o desenvolvimento das habilidades acadêmicas e sociais dos jovens; criar oportunidades para o envolvimento familiar; estabelecimento de expectativas claras por parte dos pais e professores aliada a uma educação com autoridade, que envolve afeto, controle e trato democrático; compartilhamento de valores, atitudes e crenças sobre uso de álcool e drogas, fundamental para o amadurecimento das decisões e da responsabilização; conhecer os amigos e os pais dos amigos dos filhos, uma vez que a pressão dos pares é uma das principais influências para o uso problemático de álcool; e incentivo ao engajamento nas atividades da escola, da comunidade e em movimentos sociais.

 

5-Conviver com adultos que bebem é um incentivo para os jovens beberem principalmente com essa pandemia? O que pode ser considerado um incentivo?

Sabe-se que a atitude do adolescente com relação ao uso do álcool e de outras drogas é influenciada pelos modelos familiares. O que se observa é que os padrões de comportamento dos pais e as interações familiares, e não só o fato de eles beberem, são, em boa parte, responsáveis pelas atitudes dos filhos.

Por outro lado, a dependência de álcool de um ou ambos os pais com frequência traz (ou agrava) conflitos familiares e situações que podem ser bastante sofridas e difíceis para os filhos. O “fica em casa”, por um lado, protege contra a contaminação por COVID-19, mas é uma situação considerada como fator de risco, que aumenta a vulnerabilidade do indivíduo ao uso problemático de álcool e drogas.

Por fim, é importante ressaltar que não é apenas o fato dos pais beberem ou não, mas outras atitudes dos pais também têm peso nessa equação: permissividade, falta de diálogo, instabilidade dos vínculos afetivos entre membros da família, entre outros.

 

6-Quais são os possíveis prejuízos à saúde causados pelo uso do álcool desde a adolescência?

Primeiramente, quero reforçar o fato já referido de que iniciar precocemente o uso de álcool aumenta o risco de dependência no futuro. O sistema nervoso central do adolescente ainda está em desenvolvimento e isto traz maior vulnerabilidade e risco.

Quanto às repercussões diretas do uso de álcool, elas podem ocorrer a curto, médio e longo prazo. O álcool é uma substância psicoativa que pode ter efeitos importantes sobre o comportamento. Após o uso da bebida, podem inicialmente surgir efeitos como desinibição, maior facilidade de se comunicar, inquietação etc. Posteriormente, fica mais evidente sua ação depressora sobre o sistema nervoso central, podendo ocasionar perturbação da consciência (isto é, diminuição da clareza de percepção do ambiente), com redução da capacidade para focar, manter ou transferir a atenção.

Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas, por exemplo, comportamento agressivo e inadequado, labilidade do humor, perturbações do discernimento ou da capacidade de julgamento, perda da coordenação motora, marcha instável, aumento do tempo de reação (o que coloca o adolescente em maior risco de acidentes), problemas de atenção e memória e até mesmo estupor e coma (casos de intoxicação graves).

Diminuição do rendimento escolar, dificuldades de aprendizado/memorização, diminuição do funcionamento social ou ocupacional, sintomas depressivos, aumento do risco de suicídio.

No que diz respeito ao uso de álcool por adolescentes, é muito importante ter em mente que este uso, especialmente no padrão de “binge drinking” (beber uma grande quantidade numa única ocasião) tem sido associado a uma maior exposição por parte do indivíduo a comportamentos de risco, como dirigir embriagado ou aceitar carona de alguém que bebeu, praticar sexo sem proteção, envolver-se em brigas e situações de violência física etc. Estes riscos por si só merecem atenção adequada por parte dos familiares, educadores e pela sociedade em geral. Por trás destes comportamentos de risco, estão as alterações provocadas pelos efeitos do álcool no organismo (redução da capacidade de julgamento crítico adequado, aumento da impulsividade, desinibição, redução dos reflexos e da atenção etc.).

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