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Coluna: Furando a Bolha (13/08)

sex, 13 de agosto de 2021 10:32

por Leandro Alves de Melo

EGO

No penúltimo texto, abordei de forma didática como o fanatismo está ligado com o processo de lavagem cerebral, e qualquer um pode estar sujeito às consequências negativas geradas por ele.

Neste quero aprofundar num assunto, a meu entender, tão importante quanto, o ego.

O ego tratado aqui não é aquele dissecado pela psicanálise freudiana, como parte estruturante do ser humano, advindo do crescimento e da formação de experiências, trato da acepção mais generalista, ou seja, o apreço e apego exagerado que a pessoa tem por si.

Nesses tempos de redes sociais e de maximização do eu, muitos se perdem acreditando ser a imagem que projetam para os outros, ocasionando assim um conflito interno, pois sabemos que nem sempre aquilo mostrado corresponde ao que de fato é. Vide o Instagram e demais redes sociais, elas vivem exatamente dessa projeção megalomaníaca, contudo, isso não parece estar fazendo bem para a saúde mental da população em geral.

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a depressão é considerada a doença do século XXI, uns dos fatores que podem estar agravando esse fato são as redes sociais e a busca desenfreada por status. As pessoas entendem que o conteúdo compartilhado corresponde à realidade, acarretando frustrações mais tarde convertidas em uma espécie de rancor.

Essa geração focada no consumismo desenfreado, acredita que sucesso é ter, e muitas vezes esquecem do ser. Nosso meio ambiente já não suporta mais o consumo esquizofrênico da população mundial. Para os jovens, sucesso é ter o celular novo, o carro ou o relacionamento perfeito. Uma ilusão criada na mente pelo ego e está gerando uma legião de jovens que se consideram fracassados, simplesmente por não conseguirem tais coisas ou todas elas.

Tudo isso é uma alucinação. Se não aprendermos a nos voltarmos para dentro, a compreender que o ego não é a nossa essência, seguiremos o caminho do vazio, da não existência.

No geral, exceptuando os casos de transtornos psicológicos, a essência do ser humano é boa, fraterna e gregária. Essas construções mentais que se tornam verdades e nuvens de fumaça: fazem as pessoas se enganarem e se iludirem.

Essa discussão é importante porque devemos naturalizar o não saber. O ego nos deixa na zona de conforto. Acreditamos sermos os melhores, sempre estar certos, e que nossa opinião é a verdade na Terra. Será mesmo?

Temos exemplos de grandes personalidades que conseguiram domá-lo e obter genuíno e verdadeiro sucesso. Cito como um dos guitarristas mais hitmakers da história, Keith Richards, dos The Rolling Stones, em seu livro biográfico – Vida, Keith diz que um dos maiores segredos de seu sucesso é encarar a vida sempre como um aprendiz. Com humildade, na arte que ele domina com excelência, Keith diz que sempre busca aprender algo novo e com alguém melhor do que ele. Isso o fez sair da famosa zona de conforto e aprimorar-se em sua técnica.

Diversos personagens históricos foram traídos pelo ego. No auge da sua soberba, Napoleão Bonaparte (1769-1821) acreditava que tomaria toda Europa. Cegou-se em sua arrogância e foi severamente punido pelo glorioso frio russo. Esse homem é um caso clássico de como a egolatria pode chegar em delírios, autoengano e ilusões. Mesmo com a Batalha de Waterloo perdida e com aproximadamente 500 mil soldados mortos, ele condicionou todos rumo à morte e ao frio sepulcral. Não aceitava enxergar a verdade: a ruína de seu projeto. E retornando à França, ainda reuniu outro exército, confiando que iria recuperar o poder. Dessa maneira, quando alguém tentava o trazer à realidade, Napoleão se tornava paranoico e mandava matar ou afastar qualquer um que fosse contrário àquilo que ele acreditava. Mais uma característica do ego: o autoengano.

No dia a dia, afastando desse personagem, é muito comum vermos manifestações do ego, independentemente de quem a pessoa seja ou quem ela acha que é. Pode acontecer quando uma pessoa acha que seu tempo é mais precioso do que de outros, e fura uma fila no banco. Pode ser o estagiário que entra em uma empresa ou em algum órgão público e se considera o mais sábio e esperto de todos. Até mesmo, o funcionário de uma empresa que ganha uma promoção e começa a maltratar seus subordinados. Ou aquele político investido de cargo público que sempre foi boa praça se torna egoísta e começa a cometer erros pensando apenas na sua autossobrevivência.

Para todos esses casos, a solução única é o autoconhecimento. Compreender que ninguém está acima de ninguém, que uma pessoa infalível só existe na ficção. E mitos, realmente, são apenas mitos, portanto lendas que nunca existiram.

Ao domar o ego e se aproximar da realidade, provavelmente tomaremos consciência de nossa essência, e como disse, ela é boa, assim a vida poderá ser mais leve e mais bem vivida.

Para encerrar, gostaria de transcrever a genialidade e bom humor de nossa maior roqueira, quando perguntada pela repórter quem era Rita Lee, ela respondeu: “porque eu gosto de achar que eu sei de alguma coisa, que eu sei tudo, eu não sei p* nenhuma, eu não sei nada a meu respeito, cada vez eu sei menos, você está me perguntando; eu estou mentindo”. Uma aula sobre o ego em poucas palavras.

 

Nota do colunista: Gostaria de indicar o livro de Ryan Holiday, O ego é seu inimigo, que muito brilhantemente aborda esse assunto. E falando sobre o ego, no próximo episódio falarei sobre a política. Até lá!

5 Comentários

  1. Joaquim Militão disse:

    Bela contribuição para abrir a mente de quem se fecha em um raciocínio míope avesso a crítica.

  2. Luciana C. Abdala disse:

    A-M-E-I. Esse texto fez eu rir, me preocupar comigo, pensar.. Dr. Leandro, és um presente q esse jornal nos deus.

  3. Amanda Helou disse:

    Esse texto me fez retomar a minha insignificância.
    Muito bem escrito. Obrigada!

  4. Tania Maria Alves Helou disse:

    Esse texto é um puxão de orelha bem dado a todos nós. Como precisamos nos observar e conhecer melhor. Obrigada por essa reflexão tão necessária.

  5. JOAO DE DEUS MACHADO disse:

    Excelente reflexão sobre o ¨ego¨!É importante que perguntemos a nós mesmos o que verdadeiramente somos e o que achamos ser, e se justifica a soberba que ostentamos, riqueza, beleza, corpo malhado, cultura, esta última combinada com humildade no sentido lato, são atributos relevantes, que mesmo assim considerada não comporta ¨ego¨.
    Eis minha modesta percepção do tema abordado.

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