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Artigo de Opinião: O espírito do nosso tempo

ter, 4 de maio de 2021 08:16

O espírito do nosso tempo

A filosofia alemã dos séculos 18 e 19 nos legou o conceito de zeitgeist, que significa “espírito do tempo”. Originalmente, ele se referia a agentes ou forças invisíveis que dominavam determinada época. Atualmente, seja na psicologia ou na economia, zeitgeist diz respeito ao conjunto de características intelectuais e culturais que marcam um determinado período, valendo tanto para uma visão geral da humanidade quanto para analisar a realidade de uma região ou de uma pequena comunidade.

Embora seja difícil compreender o espírito de um período ainda em curso, pois falta distanciamento para enxergar o todo, é possível refletir sobre o tema e chegar a algumas conclusões. Estamos vivendo uma época de transformações muito rápidas, de uma disponibilidade inédita de grandes volumes de informação e de ciclos de vida extremamente curtos para tecnologias, bens e até mesmo produtos culturais. Nada parece se firmar para ser um “clássico” para a geração atual e para as próximas.

O que parece é que, diante da massa de informação e da exposição à selva em que vivemos, potencializada pela internet e pela globalização, há uma perda de rumo, de foco, que atinge principalmente os jovens. Em todas as épocas há padrões de beleza e moda, por exemplo, mas dificilmente se encontrará outro tempo em que as pessoas estejam tão dispostas quanto agora a se submeter a mudanças físicas tão drásticas. Por conta de um padrão de boca, queixo, bochecha ou sorriso, jovens se submetem a procedimentos dolorosos e de resultado duvidoso, como o desbaste de dentes perfeitos para receber placas de porcelana.

Na busca desse padrão conquistado à base de cirurgias, harmonizações e preenchimentos, as pessoas abrem mão daquilo que as torna fisicamente únicas para assumirem feições parecidas, quase robotizadas. Renuncia-se ao que é exclusivo por aquilo “que todo mundo tem”, só que, em vez de uma roupa ou de um corte de cabelo da moda, faz-se uma intervenção radical e, na maioria das vezes, irreversível.

Outro aspecto que se percebe hoje é o que podemos chamar de “hiperespecialização”. Parece que algo desejável, que é o aprofundamento em uma área, está levando os profissionais dos mais diversos campos a não mais enxergar o mundo como ele é, como um todo, mas apenas partes cada vez menores. O médico que faz os procedimentos listados acima, por exemplo, provavelmente terá alto grau de especialização. Por outro lado, talvez falte a ele uma percepção mais ampla do que o paciente está passando. Às vezes é algo que poderia ser resolvido com uma abordagem psicológica e, não, com uma injeção ou uma cirurgia.

Nada contra quem queira corrigir uma imperfeição ou algo que incomoda muito e afeta a autoestima. Nada contra a especialização e o domínio de conhecimentos e técnicas específicos. Porém, nada disso faz sentido quando a pessoa se submete ao padrão e quando o profissional está tão focado que não percebe os efeitos de seus atos sobre as pessoas e sobre o mundo.

Vivemos então um tempo de avanços notáveis nos mais diversos campos, grandes transformações culturais e tecnológicas, mas tudo isso acompanhado de um estranho mal-estar das pessoas com os outros e consigo mesmas, que as leva a perseguir padrões inatingíveis. Há dificuldade de entendimento quando se tem múltiplas fontes de informação e avançadas ferramentas de comunicação. Ainda, uma crescente intolerância que destrói as pontes por onde as ideias deveriam trafegar livremente para construir novas realidades.

Temos potencial para escrever uma história diferente. Nossos pensamentos e, principalmente, nossos atos definirão nossa página no livro da vida. Ainda temos a chance de fazermos com que o capítulo do espírito do nosso tempo se mostre autêntico e genuíno! 

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