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Coluna: Saúde Alerta

qua, 27 de maio de 2020 09:40

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Bora brincar?

A tecnologia foi chegando de mansinho e entrou na vida das pessoas para valer. Hoje, os pequenos são expostos cada vez mais cedo aos encantos das telas brilhantes, e para quê livros e gibis, se dá para ler tudo online? Para que um caderno novinho e giz de cera de toda cor, se dá para brincar de colorir no próprio computador ou tablet?

É mais fácil encontrar uma criança que saiba mexer no celular do que uma que amarre os sapatos direitinho ou que saiba ver as horas no relógio da cozinha. Os pais, desesperados por momentos de sossego, na esperança de hipnotizar seus filhotes por, pelo menos, um curto espaço de tempo, acabam deixando que os filhos sejam seduzidos por todo o charme das telinhas, capazes de prender a atenção de meninos e meninas por horas, e assim vão colaborando para o fortalecimento de uma geração que é obcecada e cada vez mais dependente da tecnologia. Mas até que ponto os games devem fazer parte da vida das crianças?
A principal desculpa dos pais é que eles querem que seus filhos não sejam alienados, afinal, “saber lidar com a tecnologia é importante nos dias de hoje”. Crianças e tecnologia, atualmente, são indissociáveis.

Num passado não muito distante, brinquedo de criança era bola, boneca e carrinho, e não notebook, tablet e celular. A gente brincava de esconde-esconde, pega-pega e jogava queimada, pulava de árvore em árvore, em vez de se preocupar em postar selfie nas redes sociais.

Sim, é importante que a criança aprenda a ter contato com a tecnologia. Mas e aprender a se relacionar com as outras pessoas e com o mundo real, é importante? Ser capaz de respeitar o próximo, sentir empatia e saber lidar com os próprios sentimentos, importa? Crescer um adulto seguro, pleno e realizado, que importância tem? Se você tivesse que escolher entre fazer de seu filho uma criança mais bem preparada para o mundo ou mais hábil quando o assunto é lidar com aparatos tecnológicos, o que você escolheria?

As crianças e adolescentes  vêm apresentando problemas em seu desenvolvimento cognitivo, aprendizado, afetivo e social, simplesmente porque os adultos responsáveis por elas parecem desconhecer as reais necessidades de um ser em processo de formação, e encontram no uso dos eletrônicos um recurso para ajudá-los a administrar o excesso de energia dos menores.
A criança precisa brincar, explorar o espaço ao seu redor, imaginar, fantasiar, criar, inventar. E nada disso acontece de forma integral diante de uma tela de smartphone, tablet ou aparelho de TV.
E não adianta argumentar que o jogo x ou y, apresenta representações tridimensionais, que estimulam o raciocínio e a capacidade de concentração. Nada, absolutamente nada, substitui as experiências no mundo real. Crianças que fazem uso de eletrônicos, diariamente, são privadas de oportunidades riquíssimas que só as brincadeiras ao vivo podem proporcionar.
Crianças muito pequenas – bebês mesmo, com menos de dois anos – são colocadas diante de aparelhos de TV, tablets ou celulares para assistir “desenhos educativos”, com a justificativa de que há outras tarefas e atividades que requerem a atenção de seus pais.
No entanto, um estudo realizado pela Associação Americana de Pediatria, esclarece que a distração via eletrônicos não é indicada para menores de dois anos, em nenhuma hipótese, posto que é nessa fase que a criança desenvolve habilidades sociais, motoras, de raciocínio e linguagem que só acontecem na interação com estímulos do ambiente e na convivência com outros seres humanos.
Eles afirmam que 30% das crianças entre zero e dois anos assistem TV, ou vídeos pela internet antes dos dois anos, e que essa prática é realizada muitas vezes sem a presença dos pais. Esses estudiosos alertam para o fato de que a qualidade das relações familiares é severamente prejudicada pelo uso constante dos eletrônicos e chamam a atenção, ainda, para o fato de que mesmo quando estão no mesmo espaço da casa, as pessoas se comunicam menos se a TV estiver ligada. Isso sem mencionar o hábito dos adultos de usar com frequência seus aparelhos celulares para checar mensagens ou postagens nas redes sociais.
Uma outra prática muito comum – mas não menos danosa – é o uso de aparelhos de DVD no carro para “entreter” os pequenos. O fato é que quanto menos os adultos conversarem e interagirem com as crianças, menor será o desenvolvimento da fala, dos recursos de raciocínio lógico, das habilidades sociais, da criatividade e da empatia.

As crianças de hoje são peritas em tecnologia, mas estão tendo que lidar com as consequências do sedentarismo, ganhando mais peso com facilidade e estão com a saúde mais fragilizada, já que não desgrudam da frente do computador. A falta de interação social faz com que os pequenos não saibam muito bem como lidar com a própria dor e com o sofrimento do outro — eles estão trocando o mundo real pelo virtual, e sequer são capazes de se dar conta disso.
Os pais devem abrir mão do uso frequente dos eletrônicos em nome do estabelecimento de vínculos com seus filhos em todas as oportunidades de convivência, e uma dessas situações pode ser o caminho entre a casa e a escola, um passeio ou viagem. Conversar com a criança sobre o entorno do trajeto, cantar, fazer brincadeiras propondo que encontrem elementos na paisagem, providenciar uma caixa de papelão com objetos lúdicos simples, contar uma história. É claro que tudo isso envolve um planejamento, maior envolvimento e mais trabalho. Mas o resultado compensa, sem nenhuma sombra de dúvida.
A Sociedade Brasileira de Pediatria estruturou uma cartilha de orientação a pais, pediatras, educadores, crianças e adolescentes, contendo cinquenta regras práticas para o uso da internet. O documento indica, por exemplo, que crianças de 2 a 5 anos não devem ultrapassar o tempo de uma hora diária no uso de eletrônicos; e que crianças até 10 anos não devem utilizar computadores ou similares em seus quartos ou sem a supervisão de um adulto responsável.
É importante salientar que, se o estabelecimento de limites de tempo para o uso dos eletrônicos por crianças e adolescentes é indispensável, também é fundamental que se cuide da qualidade dos conteúdos acessados. Há muito lixo virtual! Há uma enxurrada de youtubers que fazem sucesso entre os pequenos e jovens, com vídeos absolutamente vazios de valores e cheios de palavrões. Há uma infinidade de ídolos mirins que fazem sucesso em canais virtuais, por meio de vídeos gravados por seus próprios pais, expondo a rotina de seus filhos.
O fato é que uma vez estabelecido um hábito, fica muito mais difícil reverter a situação e estabelecer regras. Os adultos precisam assumir sua responsabilidade em relação ao seu papel de autoridade afetiva na regulação dos comportamentos dos menores. Mais que tudo, os adultos são exemplos vivos de atitudes. De nada adianta estabelecer regras para organizar e mediar a utilização das mídias, se os próprios pais vivem abduzidos por uma tela virtual. Muitos pais trabalham para dar o mundo aos seus filhos, mas esquecem de abrir o verdadeiro sentido da vida: VIVER.

Toda criança precisa ter diversas experiências elementares para seu bom desenvolvimento. Crianças que assimilam bem o seu meio, andam atentas num parque ou num bosque, descobrindo, mexendo, pulando, aprendem também a compreender melhor o meio ambiente em que vivem. Prezados pais e responsáveis, permitam que seus filhos tenham esta chance: faça chuva, faça sol ou faça neve! Brincar é preciso, o seu filho agradece.

 

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